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Evódio, sapo e abelhas

Indagaram a este cronista sobre o paradeiro de Evódio, se ele havia morrido... Outros nem sentiram a sua falta. No entanto, ele continua vivo, ou o que

Gilberto Caixeta
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 13:09
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Indagaram a este cronista sobre o paradeiro de Evódio, se ele havia morrido... Outros nem sentiram a sua falta. No entanto, ele continua vivo, ou o que resta dele. Não tivemos a oportunidade de nos encontrar por esse tempo. Certo dia, porém, o encontrei. Disse-me que andava pelas matas, a fim de conhecer um pouco sobre a natureza das coisas e as coisas da natureza. Contou-me que encontrou um sapo que não coaxava; cantava como uma cigarra. Entretido com aquilo, continuou seu relato, nem percebeu que estava sob uma colméia, só soube quando a primeira abelha lhe ferroou. Sua reação de imediato foi de espanto, depois do susto ele a matou com as mãos. Pra quê! Pareceu-lhe que toda a colmeia se revoltou e partiu em sua direção. O sapo que coaxava cantando como cigarra, escondeu-se dentro do lago, pra não assistir as ferroadas das abelhas. Mal olhou, já eram centenas ao meu redor. Evódio é homem de cidade, mais parecido com pombos de praça, quando não pardal, tem asco a insetos. “Pus-me a correr, se ficasse seria devorado. Correndo havia a esperança de entrar na mata e me esconder”. Mas o enxame estava firme ao seu encalce. Nada as distraia; subiu morro, contornou árvores, passou pelo rio e nada de elas saírem de seu encalce. “Bicho, inseto,  ave danada que não perde o seu alvo, quando quer atingi-lo”, resmungou. Já sem fôlego e sem poder parar, resolveu atravessar um pasto com vacas, no propósito de dividir com elas o perigo da perseguição. Que nada! Passaram pelas vacas como se elas não existissem. Evódio tinha agora um outro problema: como sair daquele pasto, sem que fosse alcançado pelas suas detratoras. “O jeito foi me jogar por baixo daqueles fios da cerca de arame e tentar a sorte, com um pouco mais de fôlego, até chegar à casa da fazenda e me esconder lá dentro”. Disse-me Evódio, com a cara cheia de hematomas.  O receio dele era de o enxame enrolar em seu corpo e não mais largá-lo, levá-lo para dentro da colmeia e devorá-lo como se devora um néctar, ou que tivesse que divertir o zangão, em seus dias de ócio e fúria. E aí, Evódio? Como você conseguiu se safar destas malditas abelhas, que tanto queriam o seu coro? Algumas, pelo jeito, conseguiram lhe ferroar. Mas, ainda bem que você não desistiu de lutar, contra aquelas que tentaram lhe atacar sem motivo real, a não ser o instinto de violência contra qualquer coisa que se move. Evódio parou, olhou, e concluiu: “Quando percebi que elas não saiam do meu pé, resolvi parar e encará-las de frente, sem que elas percebessem a minha presença. Tirei o feromonio daquela que me picou e  me imunizei de seu cheiro, tornei-me invisível aos seus olhos e sentidos olfativos. Calmo e munido de razão, enfrentei uma por uma, sem por as mãos. Às vezes, é preciso retirar o veneno injetado para que possamos raciocinar sem ele, e pensar somente com os próprios venenos”. Ao conseguir se safar das abelhas, pretende agora descobrir o porquê da cigarra na barriga do sapo. Ou talvez ele saiba que a cigarra ignora o habitat e vive feliz dentro do sapo, achando que ele seja uma árvore que lhe dá proteção.

(*) professor

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