Branca de Neve pode ser testemunha da importância desse poderoso instrumento na vida de qualquer mulher.
Costumo encará-lo já pela manhã, escovando os dentes apressada, jogando uma água fria no rosto, tentando acordar para a maratona diária. Nesse momento, meu espelho é apenas uma parte do mobiliário doméstico.
Carrego-o na bolsa também. Para repassar filtro solar, o batom que jamais fico sem, me reproduzindo apressada ao correr do dia. Nesse momento ele é apenas um acessório.
Já cheguei a usá-lo como educador, quando minhas filhas eram pequenas. Na ânsia de ensiná-las como se portar à mesa, colocava em frente a cada uma delas um espelho para que se vissem alimentando e conversando e se corrigissem. A boa educação pressupõe boas maneiras nas diversas funções diárias. Aí, então, o espelho era um grande professor. Ando pensando em usar esse artifício, agora para meus netos.
Quando o encaramos corajosamente para contar os inúmeros pés de galinha, que insistem em aparecer, apesar dos vários cuidados estéticos – ali, também, ele se mostra apenas um objeto.
Ele se transforma em poderoso amigo e conselheiro, quando no silêncio de nós mesmos conseguimos mergulhar em sua profundidade. Nesses raros e preciosos momentos quando flertamos exaustivamente com nosso âmago, quase podemos enxergar nossa alma e essência divina.
Corajosos momentos que nos fornecem a oportunidade de abraçar nossos processos pessoais.
Nosso espelho se torna, então, um poderoso aliado quando temos a chance de rever emoções contidas, estudar reações, sanar cicatrizes. Despir a alma, sem censura.
Com essa cada vez mais rara capacidade de flertar com nosso interior, através do espelho, descobrimos recursos para continuar a sonhar, crescer e amar. Esse mergulho, por ser solitário e sem testemunhas, pode nos levar a reflexões sem freios, sem máscaras, sem inibições.
Apenas sendo... E trazendo a paz e harmonia que existem flamejando em nosso interior.
Muitas vezes o mundo nos leva a não querer nos aprofundar em quase nada. Relações são efêmeras, superficiais. Cada um tentando se equilibrar física e emocionalmente o quanto pode.
Cultura e educação, apenas para se mostrar bem na foto. Espiritualidade, por obrigação.
Feliz aquele que tem a determinação e o destemor de desnudar a alma no reverso do espelho.
Aí então a poesia perturbadora de Cecília Meirelles pode nos lembrar:
“Eu não tinha esse rosto de hoje
Assim calmo, assim triste, assim magro,
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Em que espelho ficou perdida
A minha face?” (Retratos).
(*) Dona de casa