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Esmola

Estaria a se estimular o ócio, a vadiagem, a malandragem? É o que se pergunta. Verdadeiro dilema. Na verdade, praticar a caridade é algo extremamente gratificante

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 24/01/2015 às 09:07Atualizado em 17/12/2022 às 01:43
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  Esmola

Não é fácil definir entre o dar ou não dar esmola ao pedinte de rua. Estaria a se estimular o ócio, a vadiagem, a malandragem? É o que se pergunta. Verdadeiro dilema.

Na verdade, praticar a caridade é algo extremamente gratificante. O sabor do ato é de tão relevante efeito interno que, fosse mais experimentado, certamente o praticante encontraria muita alegria interna e motivação de viver. A autoestima melhoraria sensivelmente de modo a conciliar uma motivação de viver com uma valorização interna de ordem emocional e espiritual, certamente.

Aliás, ouso pensar que algumas categorias de pessoas em estado miserável ou de deficiência física assim estão no mundo para permitir aos menos evoluídos exercerem a caridade e encontrarem o caminho do Amor. Assim, têm a missão de cobaias para a prática da evolução do espírito, da alma, no plano maior que Cristo nos anunciou.

Daí a delicadeza da questão da esmola ao mendigo de rua. Suprir, ou não, minimamente e imediatamente àquela necessidade percebida pela ferida, pela aparência da submissão ao vício, pela fraqueza do pensar, por algum motivo que para ele tenha sido decisivo para perder o centro do viver regular. É que não se sabe o que verdadeiramente vai no coração do que recebe a esmola.

Na situação privilegiada de quem dá a esmola vai a dúvida de estar ou não fazendo o bem. Afinal, dar esmola não é ensinar a pescar. É ato rápido, muitas vezes mecânico, que o doador às vezes até usa como tributo para aliviar o peso da sua inoperância fraterna, sua ineficiência de altruísmo. Dar um trocado está longe ainda do que realmente repartir o pão.

Muitos que dão esmola nada mais pensam que em alimentar seu ego, não no crescimento de sua alma. Na aparência do gesto.De um lado, alimentar o ego, dizendo-se caridoso, simplesmente pela moeda que doa minimamente ao infeliz que clama, é sentimento pobre como a miséria do que pede. A situação sugere mais a vergonha de compartilhar um mundo com tantas diferenças. Aliviar-se na ilusão de que tal obrigação seria do poder público é equívoco, parece-me, afinal somos nós que temos que cobrar do poder público de tolerar inerte a situação viva, visível, evidente do pedinte de rua.

E assim segue o dilema. Por questões filosóficas deixar de doar o mínimo da aquisição de um pão para matar uma fome imediata, ou fazê-lo simplesmente e pronto? Todavia, é bom frisar, caridade é mais que esse ato muitas vezes mecânico. Embora seja uma boa ação é ainda, nesse estágio, fragmento mínimo de caridade, que é algo maior, em exercício verdadeiro, silencioso e honesto de amor ao próximo.

Optando por dar a esmola, atente-se para se avisar de que nada de extraordinário, a rigor, está a construir nesse ato. Apenas um gesto, pingo de solidariedade, que embora possa matar a fome imediata do pedinte, é pouco para nutrir uma alma verdadeiramente solidária. Tome cada um a decisão que tomar, no conforto de quem realmente pratica a caridade ou no socorro afetivo daquele que não o faz e quer salvar-se somente na doação de esmola ao mendigo de rua. Mas que saiba este que, caso esteja simplesmente a alimentar o seu ego, seu gesto de doação não ultrapassa o plano material. A alma fica pedinte. A alma vira o pedinte.

Ricardo Cavalcante Motta

Juiz de Direito

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