O poema José, de Carlos Drummond de Andrade, desvenda a dimensão do homem
O poema José, de Carlos Drummond de Andrade, desvenda a dimensão do homem em situações extremas de embaraço e falta de saída para os problemas.
O José drummondiano representa, sob um nome comum, o enjaulamento human o homem se sente bicho acuado, sem razão suficiente para apontar situações, seja pela incapacidade de resolver impasses, seja pela impossibilidade de transpô-los.
É genial o arranjo do poeta para traduzir o estado crucial de entrega humana: José encontra-se no desamparo total, “sem mulher”, “sem discurso”, “sem carinho”, “não pode beber”, “não pode fumar”, “cuspir já não pode”, enfim está privado do dia, do riso, da noite, de tudo. O clímax da desolação situa-se nas inversões: José “quer abrir a porta”: ao invés de ter perdido a chave, não existe porta – a chave está na mão; “quer morrer no mar”: talvez houvesse a coragem para entregar-se às águas, mas “o mar secou”; “quer ir para Minas”: o percurso poderia ser feito de trem, de ônibus, até mesmo a pé – porém “Minas não há mais”. O ser humano está totalmente só em sua solidã talvez pudesse gritar, gemer, tocar a valsa vienense, dormir, cansar, finalmente morrer. Mas nada disso acontece, porque ele precisa suportar-se e suportar o mundo, sem subterfúgios, sem lenitivo, sem compensações: ele e sua dor ou solidão.
Como caminhar? Para onde caminhar? Por que a necessidade de igualar-se a bicho do mato? O corpo cambeta não tem parede onde encostar-se. Nenhum cavalo existe para auxiliá-lo numa fuga sem destino, para um lugar inimaginável.
O homem – qualquer José, ou João, ou Maria – perde-se em seu absurdo existencial de falta de crença, de falta de fé. E segue. A jornada é vazia, perdida no non sense de uma vida oca. A alegria passageira da falsa festa acabou. A luz transitória de trôpegas ideologias perdeu-se na escuridão dos enganos. E o povo, falsamente de mãos dadas, sumiu, quando se rompeu a teia de interesses. E vem o frio da solidão, centrada nos alicerces porosos de uma edificação fantasiosa e irreal.
E Deus, Deus que deveria estar à frente desses tantos Josés, é por eles ignorad torce-se o sentido das coisas. O sentido no aqui e agora desmorona-se fugaz e triste. No desnorteamento, nem a Pasárgada, de Manuel Bandeira, existe para acolher o homem sem rumo; e ele não poderá dizer “Vou-me embora pra Pasárgada”, porque nem Pasárgada cabe mais em seu pensament foi engolida nos descaminhos de sua solidão que insiste em repetir baixinh “você marcha, José! José, para onde?”
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro