Ouço ao longe a suave música
Ouço ao longe a suave música. Minha alma envereda-se por espaços desconhecidos dentro e fora de mim.
Sinto derrubadas as barreiras entre o ser de carne e osso e aquele que apenas o Espírito sopra de mim para mim.
Respiro a estranheza de me sentir aqui, ao mesmo tempo longe, no não-aqui.
Os mistérios da criação, do ser criado, de onde, para onde. Por quê?
O que sei de mim? O que sabes de ti? Procuro respostas e só encontro perguntas. Procuras perguntas e as respostas evolam no ar do pensamento.
O que a vida quer de mim? O que a vida quer de ti? O que buscas nela, desenfreadamente, com a dificuldade de pontes quebradas entravando a travessia, com o sopro da brisa, inicialmente calmo, depois transformado ventania? E tu, na visão do que se afasta de ti, que corres, obstinado na procura do que não encontras. E o meu ser, na respiração resfolegante de quem corre e não vislumbra o fim da caminhada, para perplexo pela busca que arrasta silêncios e abismos.
Tu olhas o céu pontilhado de estrelas e, na lassidão do cansaço, anseias transformar-te em uma delas, no piscar, piscar, olhando a terra, e os seres que as procuram. Eu também me embeveço na visão das estrelas, tão distantes, mas tão perto, livre de todo cansaço, apenas luz que foge de dentro de mim e projeta-se para o outro, no esquecimento, talvez, da própria existência.
Ah! Meu irmão de caminhada, irmão que encontro pelas ruas, perdido na quase alucinação diante do que a vida apresenta. Irmão que mergulha as mãos e os olhos na esperança de que a trajetória se faça mais leve, mais solidária, mais fraterna. Irmão abandonado pelos passantes, como se fosse ser invisível: ninguém vê, ninguém ouve, por mais gritante seja a voz.
Teus olhos, irmão de caminhada, avançam em direção ao acolhimento fraterno, buscando não apenas o pão que mata a fome, mas aquele pão que aquece a alma e não o force a perscrutar, no brilho das estrelas, a esperança que aos poucos se apaga na luz de teu olhar.
O que a vida quer de mim? É tanto que meu ser quase já não mais comporta, sobras caindo do beiral da alma, teimando em encontrar respostas e apoio que minha fragilidade não sustenta.
Continua suave a música, e a minha alma ainda se enveredando por espaços desconhecidos dentro e fora de mim...
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro