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Em pleno inverno

Um leitor desconhecido, num e-mail muito delicado, afirmou que eu tinha fixação de infância

Padre Prata
thprata@terra.com.br
Publicado em 12/11/2011 às 20:19Atualizado em 19/12/2022 às 21:24
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Um leitor desconhecido, num e-mail muito delicado, afirmou que eu tinha fixação de infância. Não sei bem o que ele queria dizer com isso. O que sei e é certo, e disso dou testemunho, é que, quando envelhecemos, quando o inverno se aproxima inapelavelmente, quando o tempo-futuro se encolhe, a gente volta ao passado. Nunca abandonamos nosso coração de criança. Há tempos, um amigo meu me confiava: “Se eu pudesse recomeçar, minha vida seria totalmente diferente”. Mas, acontece que nossa vida é uma só. Ninguém volta para remendar os rasgões nem apagar os erros cometidos. Na nossa vida há tempo demais para reparações e para pedir perdão. Ninguém se purifica automaticamente nem tem outra vida para redimir seus erros. Ninguém se converte inconscientemente. Caso contrário, não haveria mérito.

Adultos, olhamos para trás. Fazemos uma análise retrospectiva. Quanto tempo perdemos. Quantas tolices cometemos. Passos errados. Decisões intempestivas. A “experiência de vida” da qual os idosos se gabam é a soma de nossos desacertos durante nossa vida. Se somos normais, sentimos dor imensa pelos erros passados, pelos descontroles emocionais. Por outro lado, temos certeza de que Ele, com seus braços abertos e na imensa ternura de Pai, nos recebe e nos perdoa. Só Ele nos conhece, por isso só Ele sabe nos perdoar. Isso não porque merecemos, mas porque Ele nos ama. Porque Ele é Pai. Se eu rejeito seu perdão, eu me afasto dEle e passo a viver sem amor. Se creio verdadeiramente em Deus, como não sofrer vivendo longe de Sua presença? “Inferno” não é um “lugar” para onde Deus nos manda. Inferno é uma ausência. Dizer que “Deus manda para o inferno” é injuriar a Deus. É uma blasfêmia. Se eu, livremente, escolho o estado de não-amor, Deus nada tem a ver com isso. É problema meu. É livre escolha minha. O que Deus quer é que eu me realize na paz e na alegria, como criança. A concepção que nos mostra Deus como um juiz implacável é falsa e injuriosa.

Há uma palavra de Jesus muito significativa; “Se vocês não se fizerem como crianças, vocês não entrarão no Reino de Deus”. Agora, se eu amo de verdade, apesar de minhas fraquezas, procuro me comportar corretamente. Ninguém ofende propositadamente a pessoa amada.

Não sei se o autor do e-mail me entendeu. Esses assuntos são complicados. Não temos mais coração de criança. Nós nos julgamos autossuficientes.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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