ARTICULISTAS

Egolatria nociva

Luiz Eduardo Rocha Paiva
Publicado em 07/05/2020 às 19:56Atualizado em 18/12/2022 às 06:08
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Além de Deus, existem profissionais sempre lembrados e solicitados em momentos de grandes riscos, crises e ameaças – os de Saúde, os do Direito e os Soldados.

Ao cidadão de bom senso, traz insegurança ver os três Poderes da República, no âmbito de grave crise sanitária, empenhados em mútuo e disruptivo conflito político, onde as três atividades profissionais poderão subir ao palco do embate simultaneamente. Hoje, falta apenas a última delas, a militar, e isso não será bom. Porém, numa escalada em que os três Poderes provoquem desequilíbrio entre si e ruptura institucional, que desaguem em convulsão social e anomia, essa indesejável presença irá acontecer para salvar o próprio Estado de Direito, a democracia e a paz interna.

O artigo nº 142 da Constituição Federal atribui às Forças Armadas: a defesa da Pátria, portanto sua soberania e unidade política; a garantia dos Poderes Constitucionais, portanto a harmonia e o equilíbrio entre esses pilares da democracia; e a recuperação da lei e da ordem em caso de anomia e consequente convulsão social. Que fique bem claro não se estar defendendo a implantação de regime militar, nem lei de exceção, mas sim a ordem institucional vigente. O que preconiza o artigo está sendo afetado pelas ações dos próprios Poderes da União, considerada a vertente política desse injustificável conflito, onde são evidentes o mau gerenciamento pelo Executivo e os nefastos interesses de lideranças dos demais Poderes, ou seja, os da velha política patrimonialista e fisiológica.

Em tal cenário, decisões de ministros da Suprema Corte devem ser respaldadas no que seja legal e justo, mas precisam refletir bom senso, jamais se deixando poluir no afã de satisfazer egolatrias nocivas. Urge atuar para a recuperação da coesão nacional, harmonizando as instituições para suplantar a crise sanitária e o conflito político, ambos cindindo a sociedade.

Causou espécie a decisão do Ministro Celso de Mello que, soberbamente, invocou mandamento da época imperial: condução “debaixo de vara” de ministros do Executivo, ressaltando, ainda, que a Suprema Corte dá “valioso precedente”. Dizeres inúteis, pois os ministros iriam acatar a decisão, não por temerem a espetaculosa ameaça, mas por serem cidadãos-soldados cientes de suas obrigações legais.

A história não se repete, mas, em situações semelhantes, embora longínquas no tempo, se os gestores de hoje cometerem erros similares aos do passado, as consequências poderão ser, infelizmente, igualmente danosas. A propósito, trago a lume um episódio que teria ocorrido, também, no âmbito de um conflito entre Poderes no início da República. Refiro-me a uma passagem atribuída a Floriano Peixoto, então Presidente, quando se referiu ao Supremo Tribunal de Justiça, pretório excelso de então, dizend “Se os seus ministros concederem ordens de Habeas Corpus contra os meus atos, eu não sei quem amanhã lhes dará o Habeas Corpus de que, por sua vez, necessitarão”.

Quem tem certeza da própria autoridade moral não precisa decidir com ameaças provocativas e inúteis. Serenidade e bom senso é o que se espera das autoridades da República, ao invés de egolatria nociva e disruptiva em momento tão delicado.

Luiz Eduardo Rocha Paiva

General reformado

 

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