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É melhor ficar de longe

Passando ao lado de um desbarrancado, em nossa fazenda, minha irmã Stella achou um ninho de urubus

Padre Prata
Publicado em 18/12/2010 às 20:38Atualizado em 20/12/2022 às 02:35
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Passando ao lado de um desbarrancado, em nossa fazenda, minha irmã Stella achou um ninho de urubus. Era uma toca ao lado do tronco de uma velha árvore. Lá de dentro, olhava-nos, assustado, o filhote de um urubu.  Não era preto, mas coberto de uma penugem amarelada. Devia ter poucos dias. Com muito custo e coragem, minha irmã conseguiu segurá-lo. Foi levado para casa. Numa meia-água onde se guardava a “trenheira”, a avezinha foi colocada num canto forrado com um saco de aniagem. Minha irmã passou a cuidar dele com desvelos de mãe. Recebia todos os dias a visita da criançada. Alimentava-o goela baixo com papinhas de carne, o bichinho foi crescendo e perdendo a penugem amarela. Andava solto pelo terreiro como se fosse uma galinha de outras galáxias. Horrivelmente feio, era amado e paparicado por todos nós. Não sei por quê, ganhou o nome de Inocêncio. Atendia pelo nome e vinha para perto. Começou a voar pelas árvores, conheceu amigo da mesma família e, um dia desapareceu. Houve choro e deixou saudades. Vez por outra, voltava para nos ver. Era recebido com pedaços de carne e toucinho. Deixava até que passássemos a mão nas penas negras. Fazia parte da família. Um dia sumiu para sempre. Minha irmã rezou um terço para que ele voltasse. Mas, parece que não era muito católico, não voltou. Deve ter achado alguma namorada e se esqueceu de nós.

Ao lado de minha casa, aqui na Luiz Guaritá, há uma caixa d’água abandonada. Todos os anos aparece ali um casal de urubus. Ali se amam, botam, chocam e criam seus filhotes. De penugem amarela, ficam todas as manhãs do lado de fora tomando sol. Na medida em que crescem, seus pais ensinam-nos a voar. Voam em frente deles e os empurram até que criem coragem e se atirem no vazio. São feios, são bons e inocentes. É bom vê-los voando lá no alto, planando graciosamente, levados pelas correntes de ar.

Um dos maiores poetas da América Latina, o uruguaio Dimas Antuñes, fez uma homenagem aos urubus, em francês: “Le cercle des urubus”. Ficou encantado.

Tudo isto para dizer o seguinte: quando estudei Filosofia, aprendi que todos os seres, enquanto seres, são verdadeiros, bons e belos, dependendo do lado pelo qual são olhados. O importante é saber descobrir. É necessário que tenhamos “olhos abertos” para descobrir. O contrário também é verdadeiro. Os seres são bivalentes. Isso vale muito para os seres humanos. Há casos em que são bons, verdadeiros e belos, mas é prudente ficar de longe. Jesus pediu que amássemos todos os nossos irmãos, mas de muitos deles é bom a gente ficar sempre com um pé atrás. Há muitos “inocêncios” no mundo. Mas há muitos que  são mentirosos, feios e maus.

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