ARTICULISTAS

Dom Benedito e a tela de Tarsila do Amaral

Há muitos anos, nosso querido amigo Dom Benedito

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 04/11/2012 às 14:10Atualizado em 19/12/2022 às 16:30
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Há muitos anos, nosso querido amigo Dom Benedito de Ulhoa Vieira nos contou um acontecimento, quando pároco da Paróquia Universitária, em São Paulo. É fato histórico.

Ali pelos idos de 1970/ 71, aproximadamente, Dom Benedito foi procurado por uma paroquiana, D. Clarinha Homem de Melo Azevedo, com o pedido de que fosse visitar Tarsila do Amaral, que estava doente.

Tarsila do Amaral foi um dos maiores expoentes artísticos do Brasil.  Descendente de família de posses, teve uma educação esmerada, o que lhe possibilitou estudar no Colégio Sacré-Coeur, em Barcelona (Espanha) onde, aos dezesseis anos, copiou uma imagem do Sagrado Coração de Jesus.

Iniciou curso de desenho apenas aos 30 anos (1917), com Pedro Alexandrino. Amava todas as artes: literatura, música, escultura, celebrizando-se como pintora, integrada ao grupo dos cinc além dela, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti e Menotti Del Picchia, isso no auge da instauração modernista (1922).

Quando Dom Benedito foi visitá-la, a pedido da paroquiana, (ela acamada), viu o quadro Sagrado Coração de Jesus na parede. Não se conteve: “Que Sagrado Coração bonito!”, ao que ela respondeu: “O senhor gostou?” Diante da afirmativa, completou: “É seu.”

Segundo Aracy Abreu Amaral, no livro Tarsila – sua obra e seu tempo, da Editora da Universidade de São Paulo, a pedido da mãe, em 1926, Tarsila pintou para ela o quadro Sagrado Coração de Jesus; em 1927, fez uma cópia para si, possivelmente aquela com que Dom Benedito se encantou e que recebeu de presente. Segundo a autora do livro, uma viagem de Tarsila ao Oriente Médio em 1926 provocou influência, na tela, de “elementos que a relacionam com a arte bizantina, seja na postura da imagem, sua frontalidade, seja no ouro utilizado pela pintora em sua fatura. Na pintura sem textura, diluída, dessa fase, essa obra se enquadra na estilização da figura com algumas concessões, entretanto, no tratamento dos cabelos e num certo modelado do rosto e mãos.”

Observações de dois amigos que conheceram o quadro original: segundo Hélio Ademir Siqueira: “Tarsila do Amaral nesta pintura "Sagrado Coração" apresenta de forma claríssima seu Cristo idealizado. Usando tons puros, assim como saem dos tubos, ela pinta o fundo de azul intenso, as vestes vermelho/azul e o amarelo da auréola de forma chapada, sem nenhuma marca de pincel. Com extrema habilidade dosou o realismo da face, foco principal da pintura, usando com parcimônia a noção de claro/escuro, o que evidencia de forma desconcertante a simplicidade com que a artista cria sua imagem do Homem de Nazaré.” Segundo Jorge Alberto Nabut: “Um dos elementos importantes deste Sagrado Coração

é o famoso azul "caipira" que identifica a obra da artista modernista, azul pesquisado e descoberto na pintura religiosa mineira. Os modernistas foram de São Paulo a Minas, de trem de ferro, em viagem

memorável e foi durante esta viagem que Tarsila definiu a ‘feição’ de sua obra.”

Após a primeira visita a Tarsila do Amaral, Dom Benedito retornou a sua casa, dessa vez celebrando missa. O inusitad o piano preto, de cauda, muito bonito, por sugestão do próprio Dom Benedito, foi o altar da celebração. Ele a descreve como pessoa fina, de alta educação e formação. Segundo seu modo de pensar, a intenção de D. Clarinha foi a de aproximar a artista da religião. Tarsila faleceu em janeiro de 1973.

O quadro permaneceu na sacristia da PUC até que, em 1978, quando da vinda de Dom Benedito para Uberaba, como Arcebispo, veio para cá. Posteriormente, foi levado para a casa de um compadre, em São Paulo, sendo vendido por 150.000,00 quantia com a qual nosso Arcebispo criou a Associação Fraterno Auxílio Ministerial, para ajuda aos sacerdotes. Antes da venda, foi feita uma réplica, hoje na sala de Dom Benedito. Tal entidade é gerenciada pela Cúria Diocesana.

Por que Dom Benedito jamais publicou esse fato? Sempre que lhe perguntava, dizia que poderia parecer exibicionism diante de tamanha humildade, faço o relato, resgatando, assim, parte da história de Tarsila do Amaral e de nosso querido Dom Benedito.

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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