Estimado leitor, vou contar outra daquelas histórias em que apenas os nomes das pessoas são fictícios. Muito já se falou sobre a privilegiada posição geográfica de Uberaba
Estimado leitor, vou contar outra daquelas histórias em que apenas os nomes das pessoas são fictícios. Muito já se falou sobre a privilegiada posição geográfica de Uberaba. Ocupamos, é verdade, um lugar de destaque no mapa do Brasil. Tanto para quem pretende adentrar o norte do País quanto para aqueles que desejam chegar ao sul, nossa cidade é, quase sempre, passagem obrigatória.
Assim também foi com Tiago e Alaor, comunistas desde os anos 50, que precisavam chegar à região do Rio Araguaia, que ficava no norte do antigo estado de Goiás, hoje Tocantins. O Ano era 1969 e os comunistas que militavam contra a ditadura nos grandes centros urbanos sofriam implacáveis perseguições dos órgãos de repressão. Organizar uma guerrilha no campo, que depois ganharia as cidades, assim como fizeram Cuba e China, era uma alternativa muito bem vista.
No meio do caminho, entre São Paulo e a região da guerrilha, havia previamente combinado uma parada em Uberaba. Chegaram numa terça-feira de manhã do mês de abril, por volta das sete horas. Fizeram o trajeto por uma estrada alternativa que passava por Araraquara e Barretos, para depois aportarem em nossa cidade. Cansados da viagem, foram imediatamente para a casa de Alfredo, notório comunista uberabense, a fim de dormirem um pouco.
Por volta do meio-dia, os três foram almoçar num renomado restaurante do centro da cidade, situado na rua Coronel Manoel Borges. Conversaram sobre os rumos que a ditadura tomava, os meios utilizados para reprimir os movimentos de esquerda, a queda de vários companheiros e, sobretudo, a concepção política adotada pelo Partido Comunista Brasileiro, o PCB, que era contra a luta armada.
Nesse ponto da conversa, Tiago fez uma ardorosa defesa do Partido Comunista do Brasil, o PC do B, o qual, agora, representava e que era uma dissidência do velho Partidão. Apoiou também a guerrilha rural, a principal bandeira de luta do novo partido, afirmando ser ela a única possibilidade de alguma vitória contra a ditadura.
Pedindo a palavra, Alfredo, o comunista uberabense, afirmava que tudo aquilo não poderia dar certo. Afirmava que um grupo de militantes, mesmo recebendo treinamento paramilitar, não tinha vocação para esse tipo de luta. E, por isso mesmo, seriam presas fáceis para a repressão. Não concordava também com a tese de que luta armada vinda do campo teria maior força e seria capaz de derrubar a ditadura. Achava, ao contrário, que o meio urbano era mais talhado para a guerrilha armada.
Tiago tudo ouviu e, novamente, defendeu suas convicções. Alfredo, outra vez, pediu permissão para falar e argumentou no sentido de fazer suas ideias serem aceitas. De debate em debate, não se deram conta de que a noite já se iniciava e chegarem a um acordo era tarefa praticamente impossível.
Ao final do encontro, Alaor, que a tudo assistia, percebeu que, para obterem sucesso na luta que empreendiam, seria necessário muito mais que articulação política. Antes, necessário seria falarem a mesma língua.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM