Estimado leitor, não sei se você sabia, mas Uberaba teve uma participação muito importante no movimento comunista brasileiro. Em um documento que se encontra num arquivo em Milão, consta que Uberaba foi uma das primeiras cidades do interior do Brasil a receber livros de divulgação das ideias comunistas. Nesse documento, aparecem também os nomes dos líderes comunistas locais.
A participação desses militantes não se restringia a apenas debater as teses comunistas. A história que passo a narrar me foi contada por um ex-militante da esquerda armada, morador da cidade, cujo nome prefiro preservar.
Um dos mais importantes líderes comunistas em Uberaba, numa de suas várias idas ao Rio de Janeiro, para encontrar-se com os companheiros de militância política, fica sabendo que Luís Carlos Prestes estava organizando uma revolta comunista no país. A intenção de Prestes era clara: instaurar, com o apoio direto da extinta União Soviética, o comunismo no Brasil, derrubando o governo Vargas. O episódio entrou para história com o nome de Intentona Comunista, deflagrada em novembro de 1935.
Na avaliação da liderança local, era necessário montar, país afora, uma rede de apoio que pudesse sustentar a ação que se desenrolaria na capital federal. Como se sabe, outras cidades brasileiras participaram do levante, como é o caso de Natal e Recife.
Armas e munição, então, foram compradas, armazenadas e ficaram à espera da hora de serem usadas. Entre essas armas, estavam algumas tantas bananas de dinamite. Diante da dificuldade de se estocar um artefato dessa natureza, elas foram levadas, clandestinamente, para uma grande fazenda da região e lá ficaram escondidas. O filho do dono da fazenda era simpatizante da causa comunista e se ofereceu para ajudar na ocultação do material explosivo. Seu pai só ficaria sabendo dessa atitude anos mais tarde.
O fato é que a Intentona Comunista fracassou, e os militantes uberabenses não usaram a tal dinamite, que continuou acondicionada na referida fazenda. Depois de muito deliberarem sobre o seu destino, resolveram enterrá-las. Afinal de contas, alguém poderia descobri-las, e a situação dos militantes comunistas uberabenses se agravaria. Dito e feit organizaram um mutirão e as dinamites foram enterradas.
Com o golpe civil-militar de 1964, a esquerda brasileira se viu obrigada a discutir os rumos que a política nacional tomava, e várias organizações revolucionárias optaram pela luta armada. Diante disso, alguns estudantes uberabenses aderiram a esse projeto político e articularam ações de resistência à ditadura militar.
Um desses militantes foi procurado por um antigo membro da célula comunista uberabense, e as velhas dinamites lhe foram oferecidas. Para realizarem suas ações, as organizações de esquerda efetuaram uma série de expropriações com o intuito de arrecadar fundos para suas lutas.
Esse militante estudantil, para quem as bananas de dinamites haviam sido oferecidas, tinha muitos contatos em Belo Horizonte e havia sido informado que a organização a qual pertencia estava planejando um assalto a um banco no centro da capital mineira. Julgou que as tais dinamites poderiam ser úteis e resolveu, junto com outros dois militantes, desenterrá-las e enviá-las a Belo Horizonte.
De fato elas foram levadas ao assalto, mas não foram usadas. Por isso, a direção da organização determinou que se guardassem as dinamites, e um outro militante foi indicado para a tarefa. Quando esse militante soube da longa história do material explosivo que tinha em mãos, ficou com medo de que as dinamites não explodissem na hora que fosse necessário e resolveu testar parte delas. Por isso, foi com sua companheira a uma pedreira abandonada nos arrabaldes de Belo Horizonte e detonou algumas bananas. Numa dessas explosões, uma lasca de pedra atingiu o seu olho direito, causando um grave ferimento.
Sua companheira, no desespero, cometeu um erro fatal: levou o militante ferido a um hospital público, e os policiais que lá davam plantão os reconheceram e, assim, acabaram presos no Dops mineiro. Depois de serem torturados, contaram toda a história do assalto e, consequentemente, das dinamites. Muitos outros militantes acabam sendo presos em função desse episódio.
Mas a história das dinamites uberabenses não acaba aqui. O que sobrou delas foi enviado para São Paulo para ser usado no famoso assalto ao apartamento de Ana Capriglioni, amante do então ex-governador de São Paulo, Ademar de Barros, que rendeu aos guerrilheiros a quantia de 2,5 milhões de dólares.
(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, Facthus e da UFTM