Vi pela televisão a entrega de uma casa para uma família pobre. Casa pequena
Vi pela televisão a entrega de uma casa para uma família pobre. Casa pequena, sem muito conforto, mas era “deles”. Era a “nossa” casa. O lar. A paz.
Os latinos chamavam de “lar” o interior da residência, lugar sagrado onde dividiam seu amor, sua segurança, sua paz. Cultuavam os “lares”, deuses que protegiam suas vidas.
Lar é um lugar seguro, símbolo de unidade, sinal de encontros e reencontros. Ambiente da plenitude do amor. O beijo da mãe, o abraço do pai, o sorriso dos irmãos. Lugar de mesa posta, de doces na compoteira e cheiro de café fresquinho. Como é bom chegar ao nosso lar, o “ar” é outro, diferente o clima. Há perfume de paz e um ombro amigo para chorar nossas tristezas.
O lar está vinculado à própria natureza humana. Penso naquele padre, rosto vincado pelas rugas de seus muitos anos bem vividos. Morava sozinho. Um dia se abriu comigo, não sei por quê: “Tenho apenas um quartinho para morar. Não sei o que é um lar. Passei por muitos lugares, morei em muitas casas, mas não sei o que é um lar. Mudavam-me de lugar para lugar, gostasse ou não. Diziam-me que isso era para viver a renúncia. Padre, você é novo ainda. Nada conhece da vida que chamam de eclesiástica. Não é fácil. Olhe, viver sozinho é barra”.
Para saber o que significa lar em toda sua extensão, é preciso viver num lar. Não se trata de uma moradia. Moradia é uma coisa, lar é outra. Moradia é uma construção de tijolos e pedras, lar é uma construção de convivência de amor. Tenho imensas saudades de meus doze anos de infância numa fazenda. De meus doze anos de internato tenho muitas recordações, mas jamais toleraria reviver aqueles tempos de vigilância fria.
É pena que o lar esteja tão abalado pelas novelas sem nenhum sentido de seriedade, estórias irrisórias, imbecis, de infidelidades, de pornografia, de amor sem estrutura, de traições, vinganças, de afeições antinaturais. Não constroem. Certa vez li o que afirmava um autor de novelas: “a novela mostra a vida como ela é”. Se é assim, por que não fazem novelas sobre a vida dos favelados, com o povo que passa fome no Nordeste? Por que só nas cidades com mocinhas bonitas para no fim dar tudo certinho?
Os americanos têm um provérbio que diz tudo em quatro palavras: “East west home best” (Leste, oeste, o melhor lugar é o lar). Quando dizem “lar, doce lar” é preciso entender as coisas para não confundir lar com romantismo. Há os momentos difíceis. Momentos de luta. Momentos de dor. Momentos de incertezas. Mas, quando existem amor e espírito de doação e de perdão, tudo é superado.
Há pouco tempo li numa tabuleta fixada na porta de uma residência: “Jesus, vem morar conosco”.
Não sei se todos os chamados lares de nossos dias teriam qualidade moral para afixar em sua porta o mesmo convite. Graças a Deus, alguns ainda conservam esse espírito de fé, de perdão, de doação, de luta para manter o amor.
(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro