“O tempo está passando muito depressa”, é o que se ouve todos os dias. Tempo é uma abstração. O tempo não passa, o que passam são as coisas, os acontecimentos
“O tempo está passando muito depressa”, é o que se ouve todos os dias. Tempo é uma abstração. O tempo não passa, o que passam são as coisas, os acontecimentos, nossa vida. O que nos assusta são as mudanças. Modas, linguagem, usos, costumes, valores, relacionamentos, tudo isto está se acelerando e nos dando sustos. Em tecnologia, nos últimos setenta anos, o progresso foi mais rápido e profundo do que nos milhares dos séculos já vividos anteriormente. Em meses, as coisas ficam fora de moda, deixando-nos sem saber como proceder. As pessoas nascidas antes de 1940 não se sentem mais à vontade e estão sujeitas a desencontros em vários níveis. Nós, os do tempo da vitrola, da baratinha, do fordim, da navalha, da Remington, do fox-trote, da serpentina, da sanfona, do chauffer, do campo de aviação, nos perdemos e, às vezes, não entendemos os mais jovens nem eles nos entendem. A meninada já nasce com um “chip” no cérebro e nos dá banho de tecnologia. Ficamos perdidos e desorientados como cachorro dentro de canoa. Pior é que, nos descompassos, nós, os idosos, saímos perdendo.
Entro numa farmácia. A mocinha de uniforme me recebe. Um sorriso como se me conhecesse há dez anos. Ou mais. Bem treinada nas manhas da arte de vender e de embrulhar. “O que o senhor deseja?” “Por favor, um tubo de dentifrício”. “Tubo de quê?” “De dentifrício, minha filha”. “O senhor vai desculpar, mas não temos esse produto. Para que serve?” (Pensei em responder que era para engraxar sapatos, mas resolvi ser educado) “Serve para escovar dentes.” “Ah, bem! O senhor quer uma pasta dental, não é verdade?”
Outra vez, na farmácia. O mesmo sorriso bem treinado. “Por favor, quero um potezinho de Iodex”. A mocinha me olhou, incrédula, e foi ao encontro de outras duas. Confabularam. Voltou toda feliz. “Iodex nós não temos, mas temos iodo fraco a 2%, o efeito é o mesmo”. (Paciência, padre.) “Escuta aqui, minha filha. Você sabe o que é arnica?” “Perfeitamente. Esse produto, nós temos, Arnica Montana, o senhor vai gostar”. (Lembrei de minha mãe, ela receitava arnica pra tudo, desde calo até caspa. Quem sabe era ela que estava me receitando? Na hora da doença a gente acredita em tudo...). Comprei a Montana sem mesmo saber pra que servia. Serviu.
Meu sobrinho Pedro, de seis anos, faz coleção de miniaturas de carros. Para agradá-lo, fiz o convite: “Vi numa loja uns automóveis que você ainda não tem.” O garoto arregalou os olhos e perguntou: “Tio, o que é automóvel?”.
(Lá dentro de mim, uma vozinha irônica soprou: “Não insista, bote os pés no chão. Seu tempo passou!”) É assim que, de descompasso em descompasso, vamos enfrentar o 2010. Que o Pai nos proteja a todos. (*) [email protected]