ARTICULISTAS

Desatar as vendas

Ela fecha os olhos e, serenamente, deixa ecoar, no tempo, sua voz

Terezinha Hueb de Menezes
thuebmenezes@hotmail.com
Publicado em 13/04/2014 às 13:14Atualizado em 19/12/2022 às 08:13
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Ela fecha os olhos e, serenamente, deixa ecoar, no tempo, sua voz também serena. Apesar da mansa aragem, assobiando lenta, os que se espalham pela relva, como que hipnotizados, ouvem nitidamente sua fala de amor: “É preciso ressuscitar Cristo no coração do homem.”

E aponta as nuvens. Lentas. Os gestos da mulher também lentos. Parecendo dançar no espaço. Vissem as nuvens. Pairando acima do pó. Limpas. Refletindo luz. E a paz do firmamento.

E aponta a relva. No renovar constante. O germe da vida sempre inteiro. O verde lambuzando de cor os corações dos homens. E aponta as águas do rio, o rio sem cansaço, seguindo planícies, seguindo em frente, derrubando empecilhos, se preciso, mas deslizando para o mar, perdendo-se na imensidão do abraço do mar, a ele confiando seus segredos e suas lutas.

O olhar acompanha o voo das andorinhas, rumo ao desconhecido. Por que a cadeia de um espaço restrito, se o céu é largo e convida à amplidão, as asas soltas, prisão nenhuma? A brisa acolhe e mostra a direçã buscar sempre, pois se se sabe da imensidão desejada, sabe-se da existência de plagas que recebem o canto das aves e o canto dos homens.

“É preciso ressuscitar Cristo.” Prestassem atenção. E suas mãos brancas apontam direções indefinidas. A pequena multidão acompanha o gesto etéreo com o olhar. E ela capta o fulgor de cada olhar e os anseios que os envolvem. Não anseios de terra, de tempo, de limitações, mas de libertação interior. Em cada um, angústia diferente. A angústia da condição humana. O que diferenciaria o sofrimento daquele velho, do sofrimento da criança ou da mulher esquelética? Os olhos perguntam: Por que a angústia?

A mulher não aponta causas. Sua mansidão não assegura a capacidade de resolver motivos: sabe do padecer humano, mas não de suas causas. Nem as consequências importam. Sua missão é outra: apontar caminhos; apontar estradas que fizessem esquecer a prisão ao passageiro, à fugacidade da própria vida. “É preciso ressuscitar o Cristo no coração do homem.” Ela sabe e passa aos outros: Cristo continua morto na alma de muitos – eles têm a visão interior comprometida; são cegos de coração, sem capacidade para enxergar além: bastam-lhes os estreitos limites, animais enjaulados nas próprias limitações e felizes com as próprias jaulas. Cegos de coração. A sensibilidade encoberta por venda invisível.

Cristo ressuscitaria quando se desatassem as vendas e o olhar conseguisse atingir extensões nunca vistas; quando o olhar derrubasse muralhas invisíveis descortinando novos universos, agora sem limites ou sem algemas que prendessem os corações em suas próprias amarras.

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