O homem, acompanhado por um rapaz, chora convulsivamente
O homem, acompanhado por um rapaz, chora convulsivamente. Soubera, naquele momento, da partida do Prof. Lopes. Viera movido pela gratidão, pela ânsia de lhe contar as idas e vindas de sua existência e a importância do professor em sua caminhada, em encontro combinado havia quarenta dias.
Estranheza da viúva e do filho, ainda tão abalados pelos apenas vinte um dias do falecimento do ente querido, em face das lágrimas intermináveis.
Diante de seus olhos, a imagem jamais desvanecida daquele que deixara o seminário e, como continuidade vocacional, abraçara a educação. Anos a fio. Latim, Língua Portuguesa, aulas em colégio, aulas em faculdade, político exemplar. Alunos encaminhando-se para a vida, a família, o amor à trilha escolhida. Planos e planos pelo crescimento integral de crianças e jovens, os filhos também crescendo sob as asas protetoras da esposa e dos ideais de ambos. Sofrimentos, lutas, peleja, as pedras sendo desviadas no amor e no bem. Vez em quando, a lambreta servindo de respiradouro nas tensões do dia a dia.
Mãe e filho pensam. No corte brusco em suas vidas. Na falta do educador preocupado com o caminho das crianças e dos jovens. Do cristão preocupado com a presença de Deus na vida dos alunos.
Os pensamentos se interrompem diante do choro que não para, o acompanhante do homem aturdido ante a cena insólita. No sofrimento de suas almas, encontram forças para consolar. Colocasse para fora o motivo das lágrimas incessantes.
Voz entrecortada por soluços, a história: um dia, lá atrás, o homem, ainda um jovem, confessa ao Prof. Lopes o ideal de se tornar médico, mas ciente da dificuldade de atingi-l faltavam condições financeiras. O professor o escuta atentamente e o incentiva a estudar para o vestibular. Passasse e ele o ajudaria.
E o rapaz é aprovado no vestibular de Medicina. E recebe do Prof. Lopes todo o apoio, inclusive lugar para morar. A peleja continuando, escorada pelas palavras de ânimo e pela ajuda financeira àquele que soubera driblar as próprias dificuldades, no encalço de um sonho.
Agora ali está, contando sua história. Médico. Havia um bom tempo, procurara o professor para com ele quitar a dívida e dele recebera a resposta: não queria pagamento, mas que o jovem médico ajudasse outro jovem, como ele próprio fizera; e a dívida estaria paga. E ali está o homem/médico, trazendo ao velho professor o jovem/médico que ele encaminhara, um novo médico que possivelmente teria a missão de encaminhar mais um e assim sucessivamente. O que o homem/médico queria, vindo de outro lugar: colocar no coração do velho mestre a flor do agradecimento, falar-lhe das lições de fraternidade recebidas; dos sonhos que ele também acalentara; das dificuldades em fazer medrar a flor do ideal a ser colhida no futuro.
Mãe e filho ficam atônitos. Jamais haviam tomado conhecimento de tal gesto fraterno e de tantos outros que depois se revelaram por aqueles que os receberam. Entendem, então, o motivo de tantas lágrimas: não dera tempo de mostrar ao antigo mestre que o compromisso estava cumprido...
No quadro-negro da Universidade de Viçosa, por muito tempo, a mensagem derradeira do Prof. Lopes: “Deus, dá-nos toda justiça para que possamos fazer bem tudo que fizermos”.
Nota: Este relato, eu o ouvi de Paulo Márcio, filho de Sebastião Lopes, o Prof. Lopes, também pai de Heloísa Piau, colhendo, ainda, informações no livr Prof. Lopes, uma lição de vida. Emocionei-me pela semelhança com fatos da vida de meu inesquecível Murilo.
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro mailtthuebmenezes@hotmail.com