Contrastes

A vida, ao nosso redor, tem-se caracterizado por contrastes que nos deixam encabulados. Qual a causa de tanta diversidade, em se tratando do ser humano? Os fatos mudam, mesclam-se, como as notícias. E são as notícias, refletindo a vida, que se embaralham em minha mente.

Cena 1 – O dinheiro público se derrama e se espalha em nossa incredulidade. A esperança do povo esmaece. Foi semente, transformou-se em flor desabrochada, e agora fenece ante o desânimo de uma população descrente e triste. Em que acreditar? Em quem acreditar? No cenário nacional, ameaças, denúncias, desculpas: nem mais sabemos distinguir quais os heróis de nosso tempo...

Cena 2 – Em uma clínica veterinária, um cão é levado para tratamento dentário. Urge a colocação de um aparelho para corrigir a mordida. O veterinário, desempenhando sua função, explica a dinâmica do procedimento a ser desenvolvido. Evidentemente, a preços altíssimos, dada a especialidade da inusitada operação. Enquanto isso, crianças espalhadas por este nosso Brasil, ainda que carecessem consertar a arcada dentária, não precisariam de consert na falta de comida, talvez os dentes apenas servissem para morder a fome, numa inversão medonha e triste.

Cena 3 – Tratores derrubam barracos, mais parecendo pardieiros. É lei. É ordem que precisa ser cumprida. Jovens mulheres, crianças penduradas ao peito, sem nenhum pudor pela exposição, bem menor que a exposição da miséria, choram. Para onde iriam? Quem lhes daria guarida, neste mundo de meu Deus? O frio gela a carne, a dor corta-lhes a alma: criancinhas ficarão sem morada. A lei precisa ser cumprida. Apesar disso, a nossa Carta Magna prega que, entre outros bens, todos têm direito à moradia e a uma vida digna.

Em meio aos contrastes das situações, percebemos, com clareza, que a alguns, como à dona do lindo cão, cuja situação financeira permite tratamento dentário sofisticado e caro, os milhões do dinheiro público não fazem falta. Ela está entre duas outras situações, cujas extremidades se tocam e se repelem, mas que, inversamente, poderiam tocar-se e complementar-se: os milhões do dinheiro público, desviados pela corrupção, são extraídos da alimentação, da moradia, da saúde, da educação, da dignidade de tantos brasileiros que não têm a quem recorrer. O abandono e a miséria são os companheiros de cada dia...

Que pena! O homem continua sendo “um lobo para o outro homem”. Que pena, acordar de um sonho embalado na esperança, tendo de dizer, tristemente, com Drummond: “Eu estava sonhando... / E há em todas as consciências um cartaz amarel “Neste país é proibido sonhar.”

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças. Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro [email protected]