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Fecho os olhos e ouço o trinar da existência. Misturam-se os sons do passado

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 12/11/2011 às 20:18Atualizado em 19/12/2022 às 21:24
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Fecho os olhos e ouço o trinar da existência. Misturam-se os sons do passado e do presente. O que foi, o que é. Vozes de crianças que viraram adultos. Lamentos e risos que se embaralham na memória. Sons do rio que deixou de correr, as margens ainda marcadas por pegadas e gritos. Os ecos do passado transcendem as raízes da lembrança e tornam-se presente reificado.

Fecho os olhos e vejo imagens esparsas. Misturam-se contornos do passado e do presente. O fruto que amadureceu, sazonado e adulto. Um quintal, a mangueira florindo esperanças, crianças cavando o futuro, a figura do pai, o vulto da mãe, a peleja pela vida.

Fecho os olhos e sinto o gosto do passado. Coisificado no fogão de lenha, na chaminé tecendo espirais, uma janela, olhar arregalado, acompanhando as curvas da rua larga e os folguedos da amarelinha no passeio.

O tempo parece ter fugido. Rápido e lancinante. Um corisco no céu. Minutos. Parecendo minutos. O fio. Extremidades que se tocam. Fluência. Ligação garantindo sequência, fatos em espirais, a ida virando volta, a volta virando ida, momentos que se confundem no fio da vida e da memória. Extremidades que se tocam. O ontem e o hoje.

Por isso a alma não envelhece. Tudo nela se faz presente. Porque a alma não conhece passado. Apenas acumula. Lembranças, sorrisos, decepções, alegrias, esperanças. Não envelhece. É como o rio que tudo arrasta, quando tumultuado, ou tudo guarda em suas entranhas, quando sereno.

Assim a alma humana. Atemporal. Fazendo fluir, a cada momento, as marcas do dia a dia. Um registro. Nada de perdas. O somatório de tudo, construção de um universo que se faz, a um só tempo, de instantes e de séculos.

Sem perder o fio. Fio inquebrantável. Forte e cortante para a fragilidade do ser humano. Não importa se marcas da infância, da idade adulta ou da velhice. Um universo apenas. Mesclam-se gestos do engatinhar com o bastão outonal. Alma humana. Atemporal. Porque ela é. Aqui e agora.

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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