Comédia brasileira em três atos

1º ATO – Segundo o noticiário da semana, o médico Doutor Abdulmassih foi condenado a 238 anos de prisão pelo crime de estupro de 37 pacientes. Lei é lei. A decisão foi anunciada com muita seriedade.

2º ATO – Encostou seu BMW. Cuidadosamente, em frente da Delegacia Regional de Polícia. Desceu. Ajeitou bem o nó da gravata vermelha listrada e abotoou o paletó. Estava impecavelmente bem vestido, barba bem escanhoada com um forte perfume de água de colônia. Com sua pasta numa das mãos, subiu os degraus que levavam à sala do Delegado Regional. Cumprimentaram-se. Foi convidado a sentar-se, com o rápido comentário sobre o calor.  “Pode entrar, doutor, o réu está à sua espera, na cela 14. Foi ali, em duas cadeiras, que se sentaram, frente a frente. “Como é seu nome?” “Olhe, doutor, meu nome é Severino de Jesus, mas todo mundo me chama de Sucuri.” O engravatado entrou logo no assunt “Olhe aqui, Sucuri, preste bem atenção no que vou falar, porque não vou voltar aqui. Você confessou que matou a freira, aquela gringa americana e acusou o coronel como mandante. Você tomou cadeia e complicou a vida do coronel. Você foi bem pago para matar. Para isso ganhou um  revólver 38, de seis balas e você no júri, denunciou o mandante.” “É, seo dotor, eu errei mesmo. Não aguentei aquelas agúia infiada nas minha zunha.”   “Seja como for, o coronel tomou 30 anos de cadeia. Acreditaram na sua mentira. Você sabe, o coronel é um homem bom, católico, caridoso, ajuda vocês, dá comida, dá emprego. Verdade você matou a freira com seis tiros. Você nem sabe o que aquela gringa estava aprontando. Era uma comunista vestida de batina. Estava aprontando confusão no meio da peonada, falando de salário justo, de direitos humanos, dessas baboseiras de quem não tem o que fazer. Aquelas seis balas que você queimou nela foi coisa justa. Errado foi você complicar a vida do patrão. Agora, eu estou aqui para remendar seu erro. Você vai ser julgado outra vez. Você e o coronel. Você vai negar que foi ele que mandou mandar a freira. Você vai falar que matou porque não ia com a cara daquela branquela. Acusou o coronel porque não aguentou a judiação que fizeram com você. Eles vão soltar o coronel e vão condenar você. Você vai ficar preso só uns dois anos. Está tudo costurado. Vão botar no seu bolso uma nota sarada. Vão facilitar sua fuga. E você vai vazar na

braquiara . Suma daqui. Pra bem longe. Não faça besteira. O coronel é rico e poderoso. Quem manda aqui é ele e não essas freirinhas e esses padrecos safados que ficam quebrando a paz aqui na região. Entendeu?”  “Entendi, sim senhor.”  O doutor se levantou, ajeitou o nó na gravata e caminhou rumo ao BMW.

3º ATO  -  Os jornais, dois anos depois, voltam com o “caso Abdulmassih” Por falta de antecedentes criminais e levando em conta o bom comportamento do réu na prisão, a pena do Dr. Abdulmassih foi reduzida para dois anos,  com serviços prestados à comunidade. A prisão pode ser punida em regime privado.

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