FALANDO SÉRIO

Consulta à consciência

Fosse você um deputado com um pacote de passagens aéreas à sua disposição, o que faria?

Wellington Cardoso
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 20/12/2022 às 13:02
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Fosse você um deputado com um pacote de passagens aéreas à sua disposição para ir onde quisesse, inclusive com a mulher, a filha e o papagaio, você as usaria exclusivamente a serviço ou também passearia com elas?   Você usaria a passagem paga pelo contribuinte para você mesmo e compraria uma para sua esposa ou filha?   Estando de férias e sabendo que ninguém fiscaliza as suas despesas com que utiliza as verbas indenizatórias, o que faria você? Pagaria a hospedagem do próprio bolso ou recorreria ao dinheiro público?   Você está em campanha política e uma empresa quer lhe dar uma ajuda de R$ 150 mil, com a condição de não aparecer. Você recusa o dinheiro ou o lança no “caixa dois”, já que o doador faz questão do anonimato?   Seu filho é pego dirigindo sem Carteira de Habilitação e o policial é velho conhecido. Você pede para ele dar um “jeitinho” ou aprova uma punição para o filho? Você diz que permitiu a volta do garoto em seu carro ou jura que ele o pegou às escondidas?   É meia-noite, você para com o seu carro diante de um sinal vermelho no trânsito, olha para todos os lados e não vê nenhum outro veículo, o que faz? Espera pelo sinal verde ou passa no vermelho, sabendo que ali não existe fiscalização eletrônica?   Aquele filme que foi lançado há alguns meses, estrelado pela sua atriz preferida (ou ator) custa R$ 80 no original em DVD, mas alguém lhe oferece um “pirata” à base de três por R$ 10, o que você faz? Compra o de R$ 80 ou leva o “piratão” para casa?   Aquela grana extra que você recebeu do caixa dois de alguém não tem rastro. Você a declara no seu Imposto de Renda ou faz de conta ela nunca existiu?   A nova empregada doméstica, de absoluta confiança, diz que não quer ser registrada. O que você faz? Diz que a demitirá se insistir no assunto ou concorda?   Se você respondeu contra o ilegal em todas as perguntas, merece uma estátua em praça pública. Merece ser apresentado à meninada na escola como modelo de cidadão a ser imitado. Você é de fato um cara diferenciado.   Mas, se você cometeu um ou outro deslize – ou todos –, certamente terá boas explicações e desculpas para isso. Afinal, tentar enganar a si mesmo é uma arte que o ser humano pratica com maestria. Para tudo há justificativa.   Veja o exemplo dos nossos parlamentares, que voaram à custa do povo até mesmo em seus passeios (sem contar aqueles que venderam passagens ou as deram para a amante, para o marido dela e, quem sabe, até mesmo para o capanga).   A maioria não vê ilegalidade nenhuma nisso. O pobre do Gabeira, por exemplo, pensou que as passagens fossem dele e que, por isso, pudesse usá-las à sua maneira. E, em verdade, salvo honrosas exceções, todos os demais usavam mesmo.   Uns se defenderam dizendo inexistir proibição para o que vinham fazendo; outros tentaram se justificar, afirmando que “isso é prática antiga na Casa”. Cada um com os seus argumentos, mas todos zombando da nossa cara.   E eu que pensava que passagens aéreas, verbas indenizatórias, etc. e tal fossem instrumentos para o exercício do mandato, o que, convenhamos, seria legítimo. Não são. Servem também para engordar rendimentos ou, no mínimo, como exemplos da malversação de dinheiro público. Podem dispor delas como quiserem.   O dinheiro público para essa turma é tão fácil de gastar quanto difícil é para o assalariado ganhar o “pão nosso de cada dia” (que ainda precisa ser dividido com o sistema do qual se servem os nobres para as suas mordomias, através dos mais variados impostos, taxas, multas).   É nesses momentos que o brasileiro fala com saudosismo do regime militar (as coisas também aconteciam naquela época, mas ninguém podia contar), que gostaria de estar em Cuba (ainda de Fidel Castro), na China ou em qualquer outro País onde exista “el paredon”.   Só se fala nisso, como aconteceu também em outras “descobertas” que estarreceram a opinião pública (de opinião nada duradoura). Mas, como dizem os senhores de cabelos brancos, o tempo cura o queijo. Dito e feito.   Quem sabe os escândalos vão rapidamente para a lixeira porque, no fundo, mas bem lá no fundo mesmo, cada um de nós pense no que faria estando no lugar dessa turma, e não encontre uma resposta divulgável. E, se perdoando pelo crime não praticado, perdoa também quem o praticou.   E esse perdão é explícito. Do tipo que aumenta a impunidade que todo mundo diz ser necessário acabar.   Numa época em que “pacto” é a palavra da moda, o Brasil precisa de fato de um pacto contra a pouca-vergonha, a indecência, o roubo do dinheiro público que tanta falta faz à saúde, à educação, às crianças das periferias.   E com tantas experiências de que pegar nas armas não ajuda, fechar o Congresso e instalar uma ditadura também não, o “milagre” virá apenas pelo voto. Não é fácil, sabemos todos nós. Por uma série de fatores. Mas, não há outro caminho.   E antes do exercício do voto pelo cidadão, necessário seria que os partidos políticos entendessem a sua importância na transformação sonhada por todos os brasileiros de bem. Que fizessem uma “peneirada” de fato, submetendo às urnas homens honrados.   Os partidos são os primeiros culpados pela eleição de qualquer um, ou de todos, sejam eles do bem ou do mal. Mas, se os partidos não têm consciência, o eleitor tem e precisa saber usá-la.   Às vezes é preciso votar naquele que não faria o que seríamos capazes estando no seu lugar. Afinal, o homem só consegue provar para si mesmo que é honesto quando tem oportunidades para não sê-lo e as deixa passarem sem se contaminar. Por princípios.   É preciso lembrar sempre, porém, que nada transformaremos se não começarmos por nós mesmos.   Esse artigo não é dirigido a ninguém especificamente, mas a todos aqueles a quem a carapuça servir.   “Se nós não valemos muitas vezes senão pela opinião que fazem de nós – valemos sempre pela opinião de nossa própria consciência. A alma se decifra num rosto. Os outros não podem pensar de nós o que nós mesmos não pensamos.” (Toulouse)

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