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Coisa de doido

Evódio gosta de ir ao supermercado e fazer a feira da quinzena

Gilberto Caixeta
Publicado em 09/09/2014 às 19:58Atualizado em 17/12/2022 às 03:46
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Evódio gosta de ir ao supermercado e fazer a feira da quinzena. Ele é cuidadoso na compra dos produtos, confere a data de validade, compara preços e tenta, sem êxito, não levar sempre supérfluos para casa. Na última compra que fez, deixou a metade para traz e saiu sem levar nada. O ambiente contribuiu para a sua expulsão, por se sentir enlouquecendo. Tudo começou no impacto de sua entrada no supermercado. Havia um som musical no ambiente. Só que era um pagode de mau gosto, a letra era repetitiva, implorativa, ameaçadora, enfim horrorosa. Daria para suportá-la se não fosse o volume alto, entrecortado por anúncios de promoção. Aquele ambiente não requer música e muito menos daquela altura, que impossibilita a concentração. Quiçá um bate-papo entre conhecidos. Perdido entre prateleiras e produtos de todas as espécies, foi se consultar com um funcionário, que tinha estampado em suas costas: “Posso ajudar”? Para sua tristeza, o atendente era surdo, ou era a música que não o permitia ouvir? O atendente, por não conseguir entender a solicitação de Evódio, buscou apoio em companheiro de trabalho que, também, não pôde ajudá-lo porque era mudo. Ficaram os três ali, olhando um para o outro e a se resignarem pelo sorriso. Evódio olhou para o seu carrinho e o encaminhou ao caixa para sair daquele lugar o mais breve possível. Aquele supermercado, pelo seu tamanho, não tinha um número equivalente de atendentes de caixas. Ficou ali a olhar a fila dos idosos e gestantes, para saber se podia enfrentar aquela fila. Evódio sempre foi supersticioso com a questão de fila. Quando ele entra numa, fica ali, porque, quando muda de fila, aquela onde ele estava começa a andar mais rápido do que a outra pela qual ele optou. A atendente do caixa especial o chamou. Era somente ele e ela, não havia risco. Sem pestanejar, empurrou o carrinho e seguiu para aquele caixa, sendo seguido por outro. E a música comendo solto, nas alturas. Parecia uma churrascada em chácara de beira de rio. A atendente olhou para Evódio e disse: “A esteira não está funcionando, por isso, você terá que colocar os produtos próximos de mim”. Tudo bem, respondeu. Há empacotador? “Não”. Depois de despejar alguns produtos na esteira, percebeu que eles não tinham sido registrados. “Você não vai registrá-los?”, perguntou Evódio. “A balança não está funcionando e nem a caixa registradora faz a leitura das etiquetas de preços”, respondeu a atendente. E ali ele ficou, minutos afinco à espera de alguém que pudesse consertar aquela caixa registradora de produtos e a balança. O tique-taque do relógio foi se avolumando e a música, controlada por algum doido, nas alturas, intercalada com anúncios de promoção, desencaparam os fios de seu cérebro. Não teve outra saída a não ser sair correndo daquele supermercado. Sentiu-se endoidando e, se permanecesse ali, o seu destino seria o Sanatório Espírita, que, embora esteja em crise e precisando de ajuda, sempre tem uma vaguinha para os casos crônicos.

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