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Ciclo existencial

Escuto Lulu Santos: "Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará."

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 03/08/2018 às 10:18Atualizado em 17/12/2022 às 04:05
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Escuto Lulu Santos: "Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Tudo passa, tudo sempre passará."

Em José de Alencar, lemos: "Tudo passa sobre a terra."

Autores de todos os estilos e épocas proclamaram a transitoriedade da vida. Para alguns, a vida humana assemelha-se à trajetória da flor: nascer, desabrochar, murchar, morrer... E é muito triste a constatação de que, aqui na terra, tantos entes queridos já passaram, e que, um dia, queiramos ou não, também passaremos: a única e inarredável verdade, "indesejada das gentes", como disse Manuel Bandeira, é a morte.

O passado também tem cheiro de morte. Foi-se. Bom ou ruim, foi-se. E jamais tornará a ser.

Os rostos congelados nas fotografias nos mostram um tempo que passou e não volta mais. Seja um segundo antes. As comemorações anunciam a alegria que determinado acontecimento agradável promoveu. Mas são apenas comemorações. Por mais que se queira, por exemplo, festejar um aniversário de casamento, jamais os festejos se tornarão, novamente, aquele dia, aquele lugar. Ainda que o casal se dirija à mesma igreja e convide as mesmas pessoas. Ainda que a festa se realize no mesmo lugar e com o mesmo bufê. A situação é outra. Houve mudanças, houve envelhecimento.

O filósofo grego, Heráclito de Éfeso, pregava que o Universo está em "perpétuo devenir", ou seja, "em permanente movimento e transformação". "Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo." Dizia que, se uma pessoa voltasse a beber água no mesmo ponto do rio em que bebera antes, ainda assim a água seria outra, porque o momento também seria outro. Ali não mais estaria a água de onde bebera um dia.

A vida é este rio. Por todas as formas, tentamos recapturar o passado. Inútil. Se foi um passado bom, inevitavelmente a tristeza virá, pois ele não mais existe. Se foi ruim, não mais poderá ser recuperado para que melhore. Ficarão as cicatrizes.

Leio em Cecília Meireles o poema Herança: "Eu vim de infinitos caminhos,/ e os meus sonhos choveram lúcido pranto pelo chão./ Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,/ essa vida, que era tão viva, tão fecunda,/ porque vinha de um coração?/ E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,/ do pranto que caiu dos meus olhos passados,/ que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?"

Perguntamos, então, com a poeta: o que farão as gerações que nos sucederem com a herança de nossos sonhos, de nossas lágrimas, de nossas esperanças, de nossa experiência de vida, no caminho percorrido? Que frutos nascerão? Seremos todos apenas lembranças, ou continuaremos a viver, através da existência "viva, tão fecunda"?

Cada um de nós percorre seu caminho. Cada um de nós plantou esperanças, colheu alegrias, mas, em meio ao "trigo", muito "joio" surgiu, abafando o sol da primavera, transformado em nuvem esgarçada pela descrença.

Um rio. A vida e o rio. Mansidão, em determinados momentos. Correntezas avassaladoras em outros. E árvores arrastadas no roldão da trajetória, como os sonhos que, tantas vezes, se vêem arrastados nas correntezas da vida.

Mas continua o seu curso. Passadas as águas, passou o momento. Passado. Essas águas não voltarão jamais. Mas continua o rio o seu curso.

Assim a vida. Vamos todos caminhando. Com sonhos palpáveis, mas com tantos outros impossíveis. Querendo, muitas vezes, reverter o ciclo da existência e, nessa reversão, trazer o passado de volta. Inútil!

Que fique, pelo menos, aos que vierem depois de nós, o que aqui deixamos, e que possam, com essa herança, alcançar prêmio, experiência ou consolo.

(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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