Chegadas e partidas
Leio em Encontros e Despedidas, de Milton Nascimento: “São só dois lados da mesma viagem/ O trem que chega
Leio em Encontros e Despedidas, de Milton Nasciment “São só dois lados da mesma viagem/ O trem que chega/ É o mesmo trem da partida./ A hora do encontro é também despedida./ A plataforma dessa estação/ é a vida desse meu lugar. É a vida.”
São faces da mesma realidade: chegar e partir. É a vida de todos nós.
Há chegadas e chegadas.
Há chegadas carregadas de sofrimento. Alguém que se viu forçado a voltar para onde não queria. Um lugar inóspito, talvez, uma lembrança que cada local lhe acende na memória, uma vontade interior de esquecer aquele lugar, mas na premência de nele chegar e assumi-lo com suas cicatrizes e tristezas.
Mas chegadas explodindo de alegria no reencontro com as pessoas queridas, a praça regurgitando o tempo da juventude, no rodízio contornando o jardim, a igreja ao centro, moças e rapazes dando voltas e voltas desencontradas, mas encontrando-se nos mesmos lugares. E rever as mesmas ruas, aquela lombada mal feita do mesmo jeito, sem que ninguém a conserte, e a mesma rua de terra em que a meninada brincava de biloca, sem medo dos carros que quase não existiam.
Há partidas. Alguém que, contrapondo-se ao sorriso de outro alguém que chega, parte sem querer olhar para trás, na tentativa de também deixar para trás as recordações que o impelem para uma nova vida no esquecimento do que machuca e deixa marcas. Alguém que não mais vê sentido em permanecer onde o certo deu errado e as forças se mostram exangues e lassas. É a partida simplesmente empurrada pela necessidade de fugir, não importando destino nem ponto de parada. Simplesmente apagar da lembrança as más lembranças que sufocam e entristecem.
E outras partidas. Não mais para evadir-se da própria vida, mas para buscar, ao largo da própria trajetória as lembranças que um dia aqueceram a alma e despertaram o entusiasmo gritante da existência que se faz bela, porque escorada na esperança vislumbrada naquela curva do caminho.
“O trem que chega é o mesmo trem da partida.”
Quem parte? Quem chega? Por que parte? Por que chega?
Enfim, aqueles que simplesmente ficam. Não chegam nem partem. Permanecem em si mesmos, o interior, seu lugar de parada. Fazem das chegadas e partidas uma só realidade, para dentro do ser, de forma hermética, ora partindo, ora chegando, transitando nos sonhos, buscando, muitas vezes, de forma frenética, o que um dia se foi e não mais se consegue alcançar: nesse sentido, não existe estação existencial que permita partir, muito menos chegar. O interior, o lugar de parada.
(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro