Todos os dias, no mesmo horário, pelo mesmo trajeto, mal aponta o sol, lá vai ela, ao serviço. Costureira...
Todos os dias, no mesmo horário, pelo mesmo trajeto, mal aponta o sol, lá vai ela, ao serviço. Costureira. Alegre. E tanto, que cumprimenta o sol: “Bom dia, amigo sol.” E tanto, que cumprimenta as plantas: “Bom dia, amigas plantas.” E tanto, que cumprimenta o cachorro da vizinha: “Bom dia, amigo cão.”
Mas não cumprimenta o padeiro que passa de bicicleta, apressad tem a cara torta. Nem o jornaleiro na entrega diária: é magricela e muito branco. Nem as crianças que se dirigem à escola do bairr são barulhentas e mal educadas. Patrão, nem olha na cara: mandão e antipático. As colegas de trabalho, fingidas e fofoqueiras. Sempre preocupadas com a vida alheia, cochichando pelos cantos, ou matraqueando que nem gralhas irritantes.
Melhor, mesmo, os elementos da natureza e o cão. Não sabem falar, não implicam, ouvem tudo, sem alterar expressão. Quando muito, o sol esquenta um pouco mais, as árvores balançam os galhos, o cachorro abana o rab nem late.
Não seres humanos. Pra seu gosto, complicados demais. Indecisos. Sem saber o que querem ao certo. Ou o que não querem. Uma hora, bem humorados: outra, “dando coice” na sombra. Não sabia, mesmo, como lidar com ser humano. Por isso, fechava-se. Como caracol. A qualquer ameaça enrustindo-se, botando a cara pra dentro de si mesma, o mecanismo de desligamento acionado, de tal forma que procurava não ver, não ouvir, não perceber nada.
Muitos a tachavam de maluca. Também não se importava. Queria, mesmo, cumprir suas horas, dias, semanas, feito formiga, alheia a emoções. Por isso, sem grandes alegrias, sem grandes tristezas. Que nem formiga. Cumprindo missão. Indo ao trabalho e voltando.
Uma vez a convidaram para a festa de confraternização de fim de ano. Não queria. Insistiram. Não aceitou. Nem pra ver como se portavam as pessoas.
Nunca fora a festa nenhuma. Jamais tivera um bolinho de aniversário. Trabalho, sim. Pequena, ainda, tinha de subir ao banquinho para lavar a louça. A mãe fora o dia todo. O pai sumido no mundo. Ela trancada em casa, cadeado no portão, cachorro na vigia. E as plantas para cuidar. Quisesse sair à rua, não conseguia. Às vezes falava sozinha, tal o silêncio. Até que se acostumou.
Não entendia como suportava o barulho das máquinas. Talvez porque abafasse o som de vozes humanas. Menos a voz interior. Falando sempre. Criticando sempre. Num azedume que sabia existir, mas aceito passivamente.
A vida continuando. Pela manhã, o mesmo trajeto, as mesmas falas, sem respostas. “Bom dia, amigo sol. Bom dia, amigas plantas. Bom dia, amigo cão.”
Na volta, já escuro, em casa, sozinha, no aconchegante silêncio de fim de dia, antes de dormir, olha-se longamente no espelho e, sorrindo, despede-se de si mesma: “Boa noite, amiga.”