A noite distancia meus passos. Apenas ouço. Os ouvidos se aguçam
A noite distancia meus passos. Apenas ouço. Os ouvidos se aguçam, enquanto meus passos se perdem nos sons da noite.
Não quero prosseguir, mesmo assim os pés caminham. Movem-se em meio às sombras, projetando, nas paredes, passadas em ritmo ágil. Olho-as e, no estranhamento, parecem independentes do movimento que as reflete. Não seriam meus os passos? E, no estranhamento, ainda, confirmo os pés que eu quero parados e não param. Independentes, na desobediência ao comando da vontade.
O caminho se alarga, as sombras agora se esparramam desordenadamente pela alameda, o movimento dos passos, acelerado, conduz-me a um estado desconhecido, sem contorno.
Para onde vou? Para onde vão os que eu não vejo? Que estrada é essa que suga meu caminhar, obrigando-o a seguir adiante?
Olho para o alto e não vejo estrelas. Apenas a estrada aberta, no deserto de pessoas, uma estrada de sem-fim. E o começo? Onde ficou? O caminho largo, e eu seguindo, meus passos procurando outros, os olhos contra um céu sem azul, porque a noite engoliu o azul, num reinado de escuridão.
Para onde caminham meus passos? O sem-fim me fascina, ao mesmo tempo me amedronta. Por momentos, quero parar, o corpo segura o movimento, mas os pés se agitam no vazio, a atração por seguir adiante e sempre.
Penso sonhar. Mas não é sonho. Realidade que se vê no apalpar das mãos, na consciência de estar-sendo. E ter de ser, e provar que se é. Para si mesmo. No fugir da rotulação de coisa. Saber-se pensante e sensível. Ter de provar...
Por isso a pulsão da caminhada. Caminhar sempre... querendo ou não. Na prova constante de que se está vivo. E a vida proíbe parada.
(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro