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Azar do Brasil

Nos anos 80 passei dois meses em Foz do Iguaçu a trabalho, fiscalizando a passagem...

Márcia Moreno Campos
Publicado em 04/10/2015 às 13:21Atualizado em 16/12/2022 às 21:59
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Nos anos 80 passei dois meses em Foz do Iguaçu a trabalho, fiscalizando a passagem de pessoas e mercadorias pela Ponte da Amizade. Foram dias intensos, que me renderam aprendizado e experiência por toda minha vida. À noite, quando não estava de plantão, atravessava a ponte, com colegas rumo à Cidad d’el Leste no Paraguai, com destino ao cassino local. Eu era jovem, curiosa e ficava fascinada pelo barulho, movimento e glamour das roletas, das mesas de 21 e das máquinas de caça-níqueis. Tudo era festa por se eventual, provisório, extraordinário. Em Foz fiquei conhecendo um argentino muito gentil que cativou todo nosso grupo com sua fala mansa, jeito educado, generosidade no trato com as pessoas. Com ele, fomos todos ao cassino. Que susto! Vi uma pessoa se transformar diante dos meus olhos. Começou a jogar na roleta e como perdeu todo seu dinheiro em questão de minutos, recorreu a nós com agressividade, querendo dinheiro emprestado para continuar a jogar. Suava e parecia em transe, totalmente consumido pelo vício. Um outro amigo que fiz lá me contou que seu pai tinha perdido tudo no jogo. E esse tudo inclui emprego, casa e família. Ele ficou com aversão a jogos de azar.

Conto isso, a propósito de mais uma atitude desesperada dos políticos brasileiros para equilibrar as contas do país, ao tirarem da cartola a possibilidade de legalizar os jogos de azar, aí incluído o Jogo do Bicho e a abertura dos cassinos. Essa tentativa já ocorreu em 2008 e foi frustrada, abatida em pleno voo por um escândalo de corrupção, onde flagrou-se o recebimento de propina para acelerar o processo de legalização. A ideia foi aventada agora para proporcionar arrecadação extra de receitas.

Penso, que por ser um projeto polêmico merece uma discussão mais séria e menos açodada. Pelo vício que gera, pelas vidas que destrói e pela lavagem de dinheiro que propicia, sou contra. Por outro lado, existem fortes argumentos a favor da liberação. O principal é a não intervenção do Estado na vida do indivíduo. Pelas estatísticas, apenas 1% da população brasileira se diz viciada em jogo que, embora proibido, sabemos que existe clandestinamente por vários cantos do Brasil. A legalização permitiria arrecadar impostos de forma concisa, sistemática e ao amparo da lei.

O momento me parece totalmente inoportuno. Com a crise que assola o país de desemprego recorde, inflação galopante, cenário futuro incerto e desalentador, o que sobra para o cidadão a não ser arriscar a sorte em um jogo que ao fim e ao cabo lhe roubará seu último tostão, e com ele a esperança de uma vida melhor. Existe um consenso em que no jogo só quem ganha é o dono do cassino, e a linha que separa a diversão do vício é muito tênue. No caso da legalização, o grande ganhador será o Estado, inchado, inoperante, corrupto. A se pensar.

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