O acontecimento da morte, inevitável a todos os humanos, cria alguns direitos e obrigações aos descendentes, ascendentes...
O acontecimento da morte, inevitável a todos os humanos, cria alguns direitos e obrigações aos descendentes, ascendentes, companheiros e cônjuges. E estes direitos podem modificar conforme os valores de uma época.
Reconhecida como entidade familiar e de igual valor constitucional ao casamento, a união estável assegura ao sobrevivente o direito de desfrutar para sua moradia da residência do casal; todavia, pode-se aferir que o juízo crítico que criou o direito real de habitação, em lei especifica para os companheiros no caso de união estável, não permitia a constituição de uma nova união ou casamento.
Os tempos passaram e com a regulamentação da união estável pela lei civil em nada se tratou do direito real de habitação; nem mesmo na parte especifica do direito sucessório. Restou então para a jurisprudência enfrentar a pendenga familiar deixada pelo de cujus.
Assim, a nossa corte pautou-se por solucionar a omissão legislativa aplicando ao companheiro sobrevivente a regra expressa para o cônjuge supérstite no que diz respeito ao direito real de habitação.
Trocando em miúdos, para não virar letra de música, pode-se facilmente assim entender: ao companheiro sobrevivente é resguardado o tem direito real de habitação sobre o imóvel no qual convivia com o falecido, mesmo que omissa a legislação civil em vigor; e pasmem, podendo até mesmo ser invocado em demanda possessória pelo companheiro sobrevivente, ainda que não se tenha buscado em ação declaratória própria o reconhecimento de união estável.
O que a meu ver, salvo melhor juízo, é incoerente.
Como posso utilizar de um direito secundário sem ter reconhecimento o direito primário?
E como a lei civil não revogou expressamente a norma especifica que trata da união estável restam algumas dúvidas pelas contradições que surgem quando do confronto das duas regras.
E uma delas é a diferenciação que se faz, quando exige do companheiro sobrevivente que não constitua outra união ou casamento para poder gozar do direito real de habitação; posto que, não existe para o cônjuge supérstite ou sobrevivente esta mesma requisição.
Outra discrepância, na sucessão do casamento, o direito real de habitação só poderá ser exercido se o imóvel destinado à residência da família for o único daquela natureza a inventariar.
Portanto, meus caros leitores, a máxima constitucional, que tanto se apregoa, ensina e é defendida, de igualdade e equiparação da união estável ao casamento ainda merece muitas analises, modificações e reparos.
Neste texto, em breves linhas pode-se destacar duas contradições que o legislador descuidou e não atualizou quando a lei civil tratou da sucessão da companheira não fazendo menção ao direito real de habitação e mais, na sucessão pelo casamento, o cônjuge supérstite só poderá utilizar do direito já multivezes citado aqui se só existir um imóvel residencial para inventariar.
É verdade que o discurso que se faz entre a igualdade destes dois institutos está um pouco longe da realidade e da lei, quando exige dos cônjuges só um bem residencial para inventariar, mas permite o direito real de habitação mesmo que se constitua uma nova família; e já para a união estável se proíbe a recomposição de um novo lar, mas poderá existir outras casas residenciais para inventariar.
Finalizando, aqueles que ainda jejunos e iniciantes na lida jurídica podem estarrecer com estas contradições apontadas, e até mesmo chegar a desiludir diante da expectativa criada de que a lei é feita para solucionar. Então relembro, meus caros, a lei é feita por humanos e como humanos, que somos, somos mortais, falíveis e só com a ajuda de outros humanos podemos aprimorar o direito posto.
Dra. Mônica Cecílio Rodrigues
Advogada, doutora pela PUC-SP e professora universitária. e-mail: [email protected]