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As coisas e seus sons

As coisas inanimadas também têm vida. Basta observar os objetos que nos cercam

Terezinha Hueb de Menezes
thuebmenezes@hotmail.com
Publicado em 25/06/2011 às 19:20Atualizado em 17/12/2022 às 07:22
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As coisas inanimadas também têm vida. Basta observar os objetos que nos cercam, colher-lhes os aromas, os feitios, os sons. Principalmente os sons. Perceptíveis em suas características. Não é vida que se move, vida pensante. Mas vida.

Talvez as crianças sejam as que mais rapidamente percebam isso. Tanto que conversam com quaisquer seres, como se fossem gente. Não apenas as árvores ou os bichos que, nas fantasias infantis, são heróis, mas até os seres brutos: a pedra pode ser um boi, o pequeno graveto um homem: as transformações burilam os devaneios, criando mundos imaginários em comunicações às vezes imperceptíveis aos outros.

Mas falo das coisas e suas manifestações vivificadas na existência dos adultos.

Fecho os olhos e, no silêncio da escuridão, ouço um som na sala. É uma cadeira que se arrasta (alguém a tira do lugar). Sem vê-la, distante, sei que é o som da cadeira, daquele móvel de madeira, e não outro, naquele chão de pedra. Logo após, é um copo de alumínio, colocado sobre a pia. Na escuridão do meu silêncio, o copo me avisa que foi trocado de lugar. E sei que é um copo, mesmo sem vê-lo, e não uma jarra, ou uma panela, ou uma caneca.

Na escuridão do meu silêncio, ouço abrir-se o portão do jardim, o barulho interceptado pelo encontro com as ramagens, retornado, depois, como todos os dias acontece. E sei que é aquele portão, e não outro.

As coisas, com seus ruídos peculiares, anunciam suas presenças. Existem e estimulam a sensibilidade dos seres humanos: enquanto atreladas a eles, participam do sentido de cada um. Aquele adorno, a cadeira preferida, o lugar à mesa. O sentir-se bem em meio ao ambiente preferido, rodeado de objetos familiares que, com seus sons, suas cores e formatos – também linguagem – integram o conjunto que configura cada ser: o homem, sem os elementos que o cercam, complementando-o, sente-se desnudo diante de si mesmo, desarticulado. Por isso, ele consegue apreender as vozes dos objetos que o envolvem.

Lembro-me de passos. O som peculiar dos sapatos no piso indicava-me a chegada de alguém; na espera de todos os dias, aquele barulho familiar me alegrou – e quantas vezes! na anunciação da presença amada.

As coisas e seus sons. Somente aquele que tem a alma aberta para perceber as coisas consegue captar suas mensagens, estreitando, em laços de afeição, sua identidade com a identidade delas. Não no sentido do apego material, na usura da posse insensível, mas na identificação com aquilo que, com o passar do tempo, não apenas marca as pessoas, mas é também marcado por elas.

 

(*) Educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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