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As casas têm vida

As casas têm vida. Elas se amoldam aos desejos e formatos de seus moradores. E recebem, com alegria, os raios de sol que lhes beijam as salas, os quartos, a varanda repleta de plantas

Terezinha Hueb de Menezes
Publicado em 19/09/2009 às 19:45Atualizado em 17/12/2022 às 05:21
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As casas têm vida. Elas se amoldam aos desejos e formatos de seus moradores. E recebem, com alegria, os raios de sol que lhes beijam as salas, os quartos, a varanda repleta de plantas, aquela árvore frondosa que adorna o quintal.

Não importa ser a casa simples e pequena ou grande e mais confortável: a junção família/casa é tão profunda que se chama lar – é todo o contexto que envolve o núcleo familiar.

As casas possuem tanta vida que, quando as vemos, vemos também o contorno de seus moradores adentrando o portão, os gritos infantis nos folguedos diários, aquela música sempre repetida, às vezes alta, parecendo querer alguém que ali reside compartilhá-la com os vizinhos. Ou o silêncio que envolve tantas casas, na solidão de um morador só em cada uma delas, muitas vezes janelas fechadas para a rua e para a vida.

Não importa o estilo de seus moradores: as casas se ajustam a ele, deixando entrever a alegria que os envolve, ou tornando-se triste e pensativa, quando a tristeza ou o afastamento de um deles lhes modificam o jeito.

Muitas vezes, entristeço-me quando passo pelo centro da cidade: casas que outrora abrigaram determinadas famílias, trazendo à nossa mente lembranças da alegria infantil, do amor dos casais que nelas viveram, casas antes repletas de vida, hoje expõem, no jardim ou na fachada, nomes de empresas: sentimos, então, que as casas perderam o viço, apesar de bem cuidadas e limpas. Agora apenas a aparência fria de gente que entra e sai, mas nada possui em comum – o mundo empresarial não as une. Não são mais as famílias que, possivelmente, as construíram com dificuldade, moldadas aos seus elementos com cuidado.

Ali, ainda perdura a pequena fonte que outrora jorrou contentamento; mais à frente, grande painel de azulejos lembra as origens de seus primeiros habitantes; mais adiante, no jardim interno, árvores plantadas com zelo, talvez ainda sofrendo a falta das crianças que se aninharam em suas frondes um dia.

Tudo se perde. As coisas passam, e nós passamos. Conosco, todo o acervo existencial que plasmou nossas vidas.

Para muitos, por detrás das placas frias e insensíveis das empresas, por detrás do ir e vir alheio de empresários, funcionários e clientes, a história de cada família teima em permanecer na memória daqueles que, um dia, ouviram os ruídos da algazarra das crianças e viram os abraços de seus antigos moradores: quando tudo se vai, apesar da renovação decorativa, de novas luminárias e biombos solenes, de mesas pomposas e cadeiras confortáveis, talvez as casas chorem da saudade de um tempo em que elas possuíam vida.

(*) educadora do Colégio Nossa Senhora das Graças e membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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