Naquele dia, no consultório veterinário, ele estava mergulhado na emoção da despedida. Ensaiou ir embora e voltou mais de uma vez. Mantinha-se ao lado do seu gato Chicão, sem dizer nada, compenetrado na tristeza e num carinho silencioso. Era o tutor, figura circunspecta, que escondia o médico impotente frente à morte iminente. O felino, quando saudável, em casa, costumava dormir aninhado no seu peito. No aconchego, eles se entendiam.
Filho do Seu Mané, de coração grande, que alimentava gato e cachorro abandonado e adotava vários. Os filhos herdaram a bondade paterna de proteger animais. Damásio é um deles. Ótimo carpinteiro, trabalha num galpão onde moram também vários gatos. No terreno no fundo, tem galos, galinhas e uma árvore que serve de poleiro. Perguntei se ele cria pra comer, respondeu que não, que morrem naturalmente, de velhice, às vezes, de mal súbito. Quis saber se nesse caso ele comia. Outra vez disse que não, que enterra.
Natal mudou de sua casa para um apartamento em outro bairro. Levou seus gatos. Agora, fiel aos que ele cuidava na rua, volta à noitinha, os chama e dá ração, que tira da sacolinha que traz nas mãos. Por obra sua, em um jardim nas imediações, fica uma caixa para abrigo onde se lê “gatos”.
A mansidão das vacas correspondia à brandura do vaqueiro Hugo. Era só chamar que elas vinham. Um dia, seu patrão decidiu vender algumas cabeças para corte e foi com o comprador até a fazenda. Pediu-lhe que as buscasse, para mostrar. Hugo foi chamando em tom suave, sem grito, sem ameaça: Serena, Mel, Mimosa... Dóceis, foram chegando, em fila. O fazendeiro, tocado por essa proeza, por essa paz, dispensou o comprador dizendo que não venderia mais nenhuma vaca.
O britânico Nicholas Evans publicou em 1995 o romance “O encantador de cavalos”. A personagem que dá nome ao livro e ao filme é inspirada em Buck Brannaman, um vaqueiro da Califórnia que não usa força para treinar cavalos; ele o faz de maneira gentil e firme, não violenta. O filme “Bravos Valentes” também documenta a lida de vaqueiros de quatro regiões do Brasil. Adelino Borges é do Pantanal do Mato Grosso, treinador paciente e calmo na relação com os cavalos. A não violência favorece melhores resultados no treinamento, e não é sinal de falta de potência do adestrador.
O documentário britânico “Guardiões da vida selvagem: a manada do Campo Fênix” (foi transmitido na TV brasileira) mostra o relevante e delicado trabalho de cuidadores de elefante na Zâmbia. Eles salvam elefantes resgatados, dão mamadeira e dormem ao lado dos bebês. Elefantes órfãos têm pesadelo por terem sido violentados ou visto a morte da família; o cuidador lhes dá segurança para dormir e os acalma, segurando-lhes a tromba.
Em “O Jardim Secreto”, romance de 1911 da britânica Frances Hodgson Burnett, o lirismo emana da exuberância renovadora da natureza. Entre três crianças da trama, destaca-se Dickon, de 12 anos, terno encantador de animais, que vive poeticamente em harmonia com o pântano. Com doçura, seduz animais e pessoas. Em atitude oposta à do flautista de Hamelin (do conto infantil recolhido pelos irmãos Grimm no século XIX), o seu som não arrasta ratos e crianças para a morte: “encanta raposas, esquilos e pássaros [...]. Toca uma música bem suave em sua flauta e os animais se aproximam e ficam escutando” (obra citada, Ed. Tricaju, p. 135).
No poema Porquinho-da-Índia, de Manuel Bandeira, a persona poética evoca doce lembrança da Infância: “Quando eu tinha seis anos/Ganhei um porquinho-da-índia./ Que dor de coração eu tinha/ Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!”. A criança diz que o levava para “os lugares mais bonitos, mais limpinhos”; mesmo assim: “não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...”. O vínculo afetivo não se apaga da memória afetiva e da imaginação: “O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada”.
As histórias reais e fictícias compiladas revelam a sensibilidade conduzindo a expressão da subjetividade do ser masculino. Rebatem o rótulo de ser frágil com que se constrói o estereótipo do sexo feminino, contraposto ao do ser forte, o sexo masculino, definido por pura visão e ação objetivas. O equilíbrio do psiquismo humano, tratando-se de qualquer gênero, idade, etnia, nível escolar e social, resulta de contrapeso entre ação objetiva e experiência amorosa, afeição e ação contemplativa na relação com o mundo.
Vânia Maria Resende
Educadora, Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.