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Gotas

Ricardo Motta
Publicado em 29/09/2023 às 18:47
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A abundância costuma estar associada à felicidade, ao prazer. Mas, às vezes, cega. Não provoca reflexão, análise, não estimula que se dê o devido valor às possibilidades de situações adversas. Ignoram-se carências pela comodidade do conforto. Acomoda, impede evolução. Não é em vão a expressão de que nas quedas é que o rio adquire energia. Tanto assim que, somente quando, impiedosa, vem a seca, damos valor à fartura de água. Aquela gota d’água que deixa de pingar da torneira torna-se uma gota de lágrima a escorrer de nossos olhos. Isto remete à reflexão quanto à carência, o que nos impõe perceber e valorizar a benesse da fartura, da bonança, da felicidade, para o que permanecíamos indiferentes, como se fossem inesgotáveis. Andar e ver a vegetação seca, triste, sentida, morta, traz saudade das águas que nutrem a vida, das flores, dos pássaros sumidos, guardando o canto por falta da alegria. Mirar a fonte pródiga e naturalmente receber o banho nas mãos, no corpo, distraidamente gozar do prazer sem se ocupar da dádiva divina da natureza pode afastar a meditação quanto à valorização de sua bênção de fartura. Por isso, importante considerar o contraste. Quando a fonte seca é que dedicamos à água efetivamente sua importância. É relevante na vida darmos mérito aos bons tempos de felicidade não somente quando ressecam as boas nascentes para o bem viver, aquelas que banham a alma, quando surrada, sofrida pelas intempéries da existência, sedenta da alegria perdida. Lavada a alma pela luz do Senhor, assim como o corpo, pela água da natureza, oriunda da mesma nascente, surge a sensação de bem-estar daqueles que conseguem a catarse no viver. E, assim, atingidos pelas dificuldades, somos estimulados a pensar e devidamente qualificar pelo oposto, para buscarmos sempre evolução do nosso ser. Elevação esta que é abraçada à lição cristã da humildade. Quanto mais humilde, mais leve, mais puro, mais possível compreender e resignar. Portanto, quando a chuva volta, reconduzindo o verde da vida, que nossos corações possam tirar lição do quanto a graça da água tem e quão sua falta faz, e assim por diante com todas as fontes da vida para o corpo e para a alma. Que criemos pelas dificuldades a consciência, para sempre mantermos e renovarmos as nascentes, das águas e das virtudes. Entendamos que a vida se faz a cada gota que cai ou que deixa de cair.

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