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Um estranho silêncio

Renato Muniz
Publicado em 30/06/2025 às 18:42
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Alguns analistas dos hábitos cotidianos costumam afirmar que, num futuro próximo, grande parte da humanidade estará surda. Tal surdez pode ter como causa os abusos sonoros de uma sociedade cada vez mais negligente com o excesso de ruídos, principalmente os que cortam as noites e atrapalham nosso sono. Como agravantes, destacam-se o uso desregrado de fones de ouvido e a tendência de música alta em diversos ambientes, como lojas de departamentos, supermercados, etc. Os mais sensatos dizem que devemos desconfiar de projeções de longo prazo, de profecias, alarmismos e maus presságios. Por via das dúvidas, precaução e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Quem sempre cogitava isso era uma tia que fazia quitutes deliciosos para as tardes preguiçosas dos seus sobrinhos descrentes de qualquer sabedoria vinda de quem tinha mais de 30 anos.

Atualmente, um tipo especial de silêncio, tanto quanto o excesso de ruídos, é que me preocupa. Um estranho silêncio. Ora, o ser humano é um ser de conversa, de diálogo — cujo aprendizado se realiza a duras penas, aos trancos e barrancos. Ô trem difícil é o tal diálogo, principalmente o bate-papo sincero, a boa prosa, a comunicação pacífica, compreensiva, que acalma corações e mentes. Já pensaram na quantidade de conflitos, grandes ou pequenos, pessoais e mundiais, que resolveríamos se soubéssemos conversar de modo produtivo, sereno, tranquilo? Claro, não vamos ser ingênuos a ponto de acreditar que os problemas humanos se reduzem a isso, questões socioeconômicas e políticas devem ser consideradas com seriedade e primazia.

Já repararam nas pessoas que abordam os outros sem nenhum pudor ou vergonha e iniciam uma conversa? Essas pessoas existem, assim como existem os que morrem de medo de pedir uma informação, um endereço que seja, o nome de uma rua ou onde fica uma repartição pública. Mas algumas têm facilidade de começar uma conversa na fila do caixa, no ponto de ônibus, na sala de espera do consultório médico. Parece que são velhos conhecidos. Outros são taciturnos, fechados, têm receio de abrir a boca para agradecer ou oferecer ajuda. Cada um é cada um, mas ficam aqui a crença e a esperança no entendimento humano, e entre nós e as mais diversas espécies.

O problema é que as possibilidades de diálogo podem estar com os dias contados, com consequências danosas à inteligência humana. Sem alarmismo ou aflição, observo que certas práticas facilitadoras de uma boa conversação estão sumindo. Em certos lugares, substituídas por gritos, silenciamentos ou autoritarismos, inclusive nas escolas — que tristeza! Em vários lugares, a interação pessoal se faz com máquinas. Vocês, com certeza, já conversaram com uma delas, e não estou acusando ninguém de maluco. Já falaram ao telefone com uma, já responderam a formulários eletrônicos, fizeram compras, solicitaram serviços, não foi? E aquelas intituladas de autoatendimento? Pobres de nós, vai nos restar a surdez ou resignarmo-nos a dar bom-dia às máquinas.

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