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Poucas palavras

Renato Muniz
Publicado em 31/03/2025 às 18:46
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A língua portuguesa praticada no Brasil deve ter, segundo os especialistas no assunto, cerca de 370 mil palavras. O fato é que todo dia surgem novas palavras e desaparecem outras tantas. Afinal, a língua é dinâmica, é arteira, rebelde. Irrequietos, tentamos domar as palavras para, quem sabe, capturar o mundo entre os dentes. Gosto de saber a história da língua, suas características e sua evolução. Se eu tenho alguma certeza nesse campo é a de que ela vai continuar evoluindo, se modificando ao longo do tempo.

O que me deixa aflito é quando alguém diz: “Fale em poucas palavras”, ou “Descreva em poucas palavras tal fato” e por aí afora. Sim, preocupa-me e vou explicar. Se temos à nossa disposição centenas de milhares de palavras, por que restringir o uso? Por que falar pouco? Eu sei que quem fala demais dá bom-dia a cavalo, que em boca fechada não entra mosquito, que conversas pra boi dormir não dão muito resultado, mas nem oito nem oitenta, né? Fale! Abra seu coração! Preencha a folha em branco da sua existência, a tela vazia do seu computador sentimental. “Quem não se comunica se trumbica”, dizia o Velho Guerreiro, um dos maiores comunicadores dos tempos áureos da TV brasileira, o Chacrinha (Abelardo Barbosa).

Admiro quem inventa palavras, isso pode ser equiparado às grandes invenções científicas, às grandes descobertas astronômicas. Inventar uma palavra nova equivale a descobrir um novo planeta em alguma galáxia distante. Vai dizer que isso te deixa indiferente? Geralmente, descobertas científicas vêm acompanhadas de novas palavras, novos termos, novos conceitos, teorias. É um mundo novo que se abre à nossa curiosidade. É vida, é a confirmação do porvir.

Quer coisa pior do que a exigência de silêncio onde ele não é necessário? Num hospital, na plateia do teatro, no concerto da orquestra sinfônica, na sala de cinema, à noite, na hora do sono, tudo certo, compreende-se, respeite-se, mas nas ruas, nas escolas ou nas manifestações políticas exigir silêncio e economia de palavras é terrível, é censura, é coerção, condenação antecipada. Imagine decretar silêncio absoluto! Impedir a emergência de novas palavras, sua manifestação e a renovação de significações equivalem a reprovar o futuro.

Preocupam-me, sobretudo, as escolas onde as maiores cobranças se referem à disciplina, à ordem e ao silêncio. Não consigo imaginar uma escola silenciosa. Não combina com um espaço que deve ser, acima de tudo, crítico, libertador. O silêncio, nesse caso, cheira mal, significa que a repressão anda à solta, à espreita para deformar a realidade. A intenção é cercear a criatividade, enquadrar a liberdade, aprisionar corações e mentes. Se é isso que alguns querem para o mundo, que se isolem numa caixa de isopor, hermética, incomunicável, e apodreçam lá dentro.

Fale, grite, se necessário for. Milhares de palavras estão à sua disposição e, se você não achar uma que te satisfaça, invente uma nova.

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