ARTICULISTAS

Os biscoitos e a alfabetização

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 26/05/2020 às 06:57Atualizado em 18/12/2022 às 06:36
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As pessoas sabem que gosto de ler, sabem da minha paixão pelos livros. Daí, vez ou outra, me perguntam se fui bom aluno. Não sei dizer. Fico encafifad o que é ser bom aluno? É ser obediente? Então nunca fui bom aluno. É fazer as lições de casa? Então também não fui bom aluno. É ser revoltado? Criativo? Não vou me esquivar da resposta, mas posso ter sido tudo isso e nada disso, ao mesmo tempo. Que confusão! Sai dessa, Renato!

Volta e meia me lembro de uma tia que cuidava de nós quando meus pais se ausentavam. Ela tinha mania de limpeza, mas gostava mesmo era de fazer biscoitos, pãezinhos, broas e outras gulodices. Era do que mais gostávamos quando ela ficava conosco.

Adorávamos quando nos permitia participar das receitas. Ela não tinha muita paciência, mas imaginem a cozinha cheia, o fogo ligado, ela rodeada de crianças pedindo bolinhos, mingau, tortas, bolo de chocolate… Qualquer um ficaria embananado. Ela dava um jeito, ninguém queimava as mãos nem trocava os temperos. Sua destreza nesse terreno era imbatível!

Minhas melhores memórias referem-se aos biscoitos de polvilho assados. Eram muito gostosos. Ao escrever essas linhas, minha boca se anima de saliva e dos olhos gotejam lágrimas. Pura saudade!

Acreditem: ela enchia pelo menos duas latas de vinte litros de biscoito. Depois, minha mãe controlava o consumo, ou seja, tinha de durar pelo menos duas semanas. Biscoitos no café da manhã, no lanche da tarde e à noite, acompanhados de leite quente. Se apareciam visitas, não podiam ir embora sem provar biscoito com café. Costumes de antigamente.

O biscoito era uma delícia, sequinho, crocante como devem ser os biscoitos de polvilho assados. Mas, vou confessar: bom era quando ela nos deixava pôr a mão na massa, sob seu controle e supervisão. Cada um podia fazer seus biscoitos, à escolha. Fazer é modo de falar, pois a receita, a massa, a quantidade de ovos e o ponto, isso era com ela — e ela não abria mão. Olhávamos de perto, sem dar palpites. A seguir, a massa era colocada num saquinho com um furo e, ao espremer, era possível desenhar o formato do biscoit redondo — o mais tradicional — ou em forma de palito, ou o melhor de todos: com o formato da letra inicial do nosso nome. A “minha letra” não era tão fácil, mas eu me esforçava. Pouco a pouco, as letras iam tomando forma na assadeira. Comer biscoitos que nós tínhamos feito tornava o quitute mais gostoso!

O que ser bom aluno tem a ver com tudo isso? Penso que educação é um processo histórico, social, que exige estímulo constante à leitura e à escrita. Enganam-se os que acham que depende apenas de técnicas, de burocracias e de controle. A alfabetização, por exemplo, pode começar na cozinha, na aula de fazer biscoitos.

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