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O que diria o velho Darwin?

Renato Muniz
Publicado em 03/02/2025 às 18:07
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Pobre Darwin! Se ele estivesse entre nós, ficaria maluco tendo de explicar tanta novidade como as que estamos vendo acontecer nesta primeira metade do século XXI. Para começar, teria de se debruçar sobre objetos que parecem ganhar vida própria, movimento, autonomia. Embora não se trate de assunto ligado à biologia, chega perto, é quase uma evolução. Gente e máquina se misturaram de tal forma que devem ter trocado material genético. Máquina tem gene? Tem hora que é melhor fingir que não estamos vendo nada disso. Tudo é muito estranho, mas vamos em frente!

Como comecei o assunto, não vou recuar. Já observaram caixinhas de som, daquelas portáteis? Estão virando verdadeiras pragas, tipo gafanhoto ou formiga cabeçuda, com todo respeito à classe dos insetos “devoradores” de plantas. Será vingança das cigarras? Imagina que você está caminhando, seja numa praça ou na orla da praia, e do nada surge um som estridente, repetitivo, geralmente alto, que preenche vazios. Você vai, vem, volta mais tarde e a tal caixinha ali, horas e horas tocando a mesma música, dona de si, independente de pilha, de fio ligado na tomada, etc. Ela vive, escolhe as músicas que quer tocar, entra nos mais distantes e distraídos ouvidos e não há como se livrar dela. O que Darwin falaria sobre isso?

Outra coisa: latinhas de cerveja. Companheiras inseparáveis de alguns, chego a pensar que ganharam vida. Talvez seja o contato íntimo que estabeleceram com certas pessoas. Pouco mais de cem anos foi o tempo que elas levaram para evoluir. Darwin teria de trabalhar rápido e com afinco se quisesse entender o fenômeno.

Sozinhas ou acompanhadas, sempre aparecem latinhas no pedaço. Cheias, vazias, dissimuladas, lá estão. Mesmo nos locais mais recônditos do mundo, não desistem. E vieram com complementos: o catador, o reciclador, as latinhas perdidas, as dos colecionadores – além de virarem objetos secundários derivados, como copos improvisados, fogareiros, etc. A versão mais comum da espécie é representada pelo mutualismo quase perfeito entre a mão que segura a latinha, que a conduz rumo a qualquer lugar, e a própria. Na maioria das vezes, o destinatário do líquido, seja cerveja ou refrigerante, está sentado, quase em estado vegetativo, adormecido, pensando em sabe-se lá o quê. Incrível é quando a latinha é atirada longe, espatifando-se no meio-fio. Tenho certeza de que Darwin estaria a postos para recolher uma delas e levar para a Inglaterra a bordo do Beagle. Poderia realizar pesquisas avançadas em evolução e biossíntese.

Sem esquecer as conversas, via GPS, que já estabelecemos com os carros, outro objeto com os quais já estamos nos fundindo numa perfeita simbiose são os celulares. Avançou tanto a fusão que muitos deles dormem conosco, tomam banho, choram junto, participam dos sucessos e insucessos amorosos. São tantos os desafios. Às vezes, fico pensando, seria melhor deixar Darwin quietinho.

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