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Mania de limpeza

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 02/05/2020 às 10:42Atualizado em 18/12/2022 às 06:02
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Não sei por quê, mas nesses dias tenho pensado muito numa tia-avó. Ela ajudava minha mãe a cuidar dos filhos, isto é, eu e meus irmãos. Éramos difíceis, dávamos um trabalho danado! Ela morava com meus avós, nunca se casou e gostava de cozinhar. Fazia biscoitos de polvilho deliciosos, pães de queijo, broas de fubá... Gulodices!

Quando meus pais iam ao cinema, ela ficava conosco à noite. Ir ao cinema na década de 1960 era um passeio chique, um evento social. Acreditem: não se podia ir de bermuda, por exemplo, ou de camisa de manga curta nas sessões de estreia. Quantas vezes meus amigos e eu tivemos de voltar pra casa por não estarmos decentemente trajados! Não era uma atividade elitista; o cinema já era influenciado pela cultura de massa, e a relação dos filmes mostrava divisões nítidas entre espetáculos feitos com único intuito de divertir e, de outro lado, filmes autorais, de grandes diretores, os filmes políticos, os filmes de arte. Era a esses filmes que meus pais assistiam. Como eram proibidos para menores de 18 anos, ficávamos em casa com minha tia. E, quando eles viajavam, também.

Ela era muito rigorosa, pouco interessada nas nossas brincadeiras, não gostava de ler, não nos contava histórias, mas era ótima cozinheira. Ah, e cismada com limpeza! Não permitia a mínima sujeirinha. Se deixassem a casa por sua conta, passava o dia limpando, escovando, organizando, lavando. Se sobrasse tempo, ia para a cozinha preparar um quitute.

Não admitia que entrássemos em casa com botinas sujas, que espalhássemos brinquedos e outros objetos. Corria atrás, ralhava, dava beliscões, lições de moral. Um terror! Mas, fora isso, era muito carinhosa conosco. Adorávamos ficar com ela, principalmente se o assunto não fosse limpeza.

Naquela época, anos 1960, não havia muitos produtos de limpeza à disposição. O básico era água e sabão. Em casa, usávamos barras de sabão caseiro, que vinham da fazenda do meu avô. Casas sofisticadas tinham enceradeiras e aspiradores de pó; nas demais o que garantia o brilho do piso era o escovão, um instrumento pesado, primitivo, de ferro, que era arrastado pra lá e pra cá para dar lustro ao chão. Fico imaginando, hoje, como seria passar um escovão daqueles num apartamento moderno, numa casa com piso de porcelanato! Baldes, rodos, apetrechos de limpeza elementares eram criteriosamente guardados em quartinhos no fundo, panos de chão tinham de se parecer com lenços de assoar o nariz de tão limpos…

O mundo mudou, mas continuamos sucumbindo aos vírus, às bactérias e às doenças crônicas. A saúde pública, os medicamentos e os tratamentos melhoraram, mas, no tocante a certas práticas, continuamos vivendo como há sessenta anos. Não é por falta de limpeza, de produtos de limpeza, mas é provável que seja devido a aspectos culturais, desigualdades sociais, negligência ou falta de relacionarmos o pensamento científico ao cotidiano. Será?

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