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Fogão a lenha

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 21/11/2022 às 21:08Atualizado em 15/12/2022 às 23:07
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Sou daqueles que ficam impressionados com as mudanças que aconteceram no mundo nos últimos 50 anos. Longe de mim qualquer conservadorismo ou desejo de que as coisas voltem a ser como eram antes, mesmo porque de pouca valia teria qualquer vontade minha nesse sentido. Acima de tudo, eu me sentiria um otário saudosista. Meu espanto se refere a uma curiosidade antropológica, aproxima-se de uma atitude de investigação quase científica para tentar entender o que mudou e como isso afetou a vida das pessoas.

Considero importante provocar a memória e olhar algumas características do passado que podem nos ajudar a refletir sobre a velocidade e a essência das transformações. Conforme me recordo, só está faltando a máquina de teletransporte para o futuro se apresentar tal qual era nossa expectativa no interior do Brasil dos anos 1960 – além da democracia plena, é claro.

Quanto ao restante, o pacote veio complet do celular à máquina de fazer pão, passando pela impressora 3D, pelo computador, etc. Acho que a máquina de ler pensamento era puro devaneio…

Na fazenda do meu avô, apesar da tralha imensa que levávamos quando íamos passar as férias por lá, não me lembro de ser preciso levar botijão de gás. Por um motivo elementar: o fogão era a lenha. E mais: como não existia energia elétrica, uma serpentina – sistema composto de canos de ferro – passava por dentro do fogão, tornando quentinha a água do banho. Que ideia maravilhosa!

Acender o fogão era uma luta, exigia conhecimento prévio do processo. Em primeiro lugar, a lenha, e não pensem que servia qualquer lenha. Tinha de ser a madeira apropriada, cortada do jeito certo, adequada para não produzir muita fumaça nem queimar num instante. O método tinha seus segredos. Abrangia a seleção do material: gravetos, sabugo de milho, palha, jornal velho e por aí afora, sem esquecer o controle de abertura da chaminé. Pensam que era um troço simples? Nada disso.

Eu achava que era chegar, ajeitar a lenha, riscar um palito de fósforo e tudo iria funcionar que era uma beleza. Panelas de ferro sobre a trempe, temperos escolhidos, pratos limpos cobertos por um pano de algodão, sobremesa a postos, bule de café com coador de pano só esperando o pó e a água quente, mas, cadê o fogo? Assopra, mexe na lenha, organiza aqui e ali, pega mais palha, cata um sabugo e, já tendo consumido quase todos os 40 palitos de fósforo da caixinha, nenhuma notícia do fogo!

Qual era o segredo? Paciência, domínio de técnicas sofisticadas e escolha sábia dos materiais. Não era serviço para qualquer pessoa. Uma coisa boa do fogão a lenha era que, bem manejado, ficava aceso o dia todo, o cheiro bom da comida se espalhava pela casa. Sem tradicionalismos, que fique registrad a vida mudou e a volta ao passado é inviável. Vamos almoçar?

Renato Muniz B. Carvalho

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