ARTICULISTAS

Fofocas

Renato Muniz B. Carvalho
Publicado em 02/12/2024 às 19:49
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A crônica literária, esse gênero tão controverso, desprezado por alguns e amado por outros, é quase uma fofoca. Uma fofoca elegante, discreta, bem-humorada, mas, às vezes, intrometida, provocadora. O objetivo da crônica não é arranjar briga com ninguém, talvez dar um puxão de orelha, no sentido figurado, é claro, afinal, castigos físicos não são mais aceitos em nossas sociedades, sequer um beliscão. Faça isso não. As crônicas servem para cutucar, de leve, os indecisos, mas também para encorajar os que estão a um passo de perder a esperança. Servem para avisar aos trapezistas que a rede furou e a queda é inevitável. Servem para sacudir cérebros adormecidos, corpos cansados e estressados, gente desanimada com a vida. Sem ofensas, elas chegam chegando, como quem não quer nada, e deixam recados, brincam com ironias, fazem troças com todo mundo, mexem com o cotidiano desinteressante de almas miseráveis e desiludidas. Depois, vão embora. Mas voltam na próxima semana ou na primeira oportunidade. Retornam lambisgoias, fuxiqueiras, enxeridas. Ah, a crônica… Em alguns casos, elas são sutis, discretas, sobrevivem sem necessidade de pretextos. Ajudam pessoas desprovidas de criatividade a recuperar o tempo perdido, a recobrar a alegria de viver. Por isso, elas estão na mira de carcomidos senhores arvorados em fiscais da moral e dos bons costumes. Se não forem parados, eles censuram o prazer de viver.

Se alguém deseja desvendar a crônica, deve olhar ao redor, as ruas da cidade, os bancos da pracinha numa ensolarada manhã de sol, as compridas estradinhas de terra que não se sabe onde vão dar. Procure nos botecos, nas filas dos supermercados, nas escuras salas de estar onde se encontram praticando adestramento ideológico imensos aparelhos de televisão. Observe o copo de requeijão transformado em louça fina no almoço de domingo, ouça o galo cantar às três da madrugada, preste atenção na vizinha que varre o quintal ao amanhecer. Quer mais? Leia a crônica antes que ela envelheça. Sim, elas envelhecem, como todos nós. É inevitável. No caso das crônicas, a solução é aguardar que elas se transformem num livro, numa coletânea.

Crônicas têm muito de mexerico, de intromissão na vida dos outros, de escutar paredes, de olhar pelo buraco da fechadura. Elas servem para caçoar de políticos safados, de maridos dissimulados e de mocinhas assanhadas. Servem para aliviar a ansiedade de quem está na sala de espera do consultório médico aguardando algum veredito de vida ou de morte. Servem para fazer o tempo passar e, para os que conseguiram assento no ônibus que vai cruzar a cidade, espairecer. E servem para aplacar a raiva de quem brigou com a namorada ou namorado e agora não sabe o que fazer. Não, a crônica não tem todas as respostas que nós precisamos, mas vai nos distrair até o próximo ponto, até a próxima consulta, até o dia seguinte, pois sempre tem um dia seguinte.

 Renato Muniz B. Carvalho.

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