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Conversas

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 25/04/2020 às 10:53Atualizado em 18/12/2022 às 05:52
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Com raríssimas exceções, seres humanos gostam de conversar. Falam, opinam, discorrem sobre os mais variados assuntos, sobre amor e ódio, sobre Deus e o Diabo, sobre futebol e a vida em outros planetas. “Falam pelos cotovelos”, dizia minha avó ao criticar aqueles que, segundo ela, falavam demais ou dela discordassem. Os assuntos preferidos dela eram: os outros, os parentes, os filhos, as noras, os vizinhos… Desde que não falassem mal do meu avô ou dos netos, todos passavam por seu crivo ácido. Em seguida, entre os assuntos de sua predileção, vinham as comidas, os temperos e os almoços, temas mais amenos.

Minha avó tinha o costume de emendar um assunto no outro; se deixassem, não parava nunca de falar. Ao perguntar se eu queria um doce, logo oferecia uma fatia de queijo, íamos para a cozinha, onde ela já acendia o fogo e, dali a pouco, estava pronto um delicioso bolo de fubá; conversava e cozinhava. Não sei como não engordei. É que eu devia ser muito ruim. Essa era a opinião da minha tia solteira sobre seus desafetos, menos eu, é claro! Ela também era uma quituteira das melhores, mas devia ser muito ruim, pois era magrinha…

Meu avô gostava de conversar, mas seus assuntos eram outros. Minha avó era muito religiosa, meu avô não era. Então, nas missas, casamentos, batizados, minha avó se instalava dentro da igreja, lá na frente, com as amigas. Meu avô e eu ficávamos de fora. Penso que minha avó não prestava atenção na missa ou no que o padre falava, mas saía muitíssimo bem informada sobre a cidade inteira, sobre o fiasco que foi o jantar que uma prima ofereceu para parentes estrangeiros do marido, sobre o vestido horrível e fora de moda da comadre Izilda…

Meu avô e meu pai discutiam negócios, contratos e finanças. Pra falar a verdade, nunca entendi direito essa estranha separação entre conversas de homens e de mulheres. Meus amigos e eu conversávamos sobre qualquer assunto, passando de um a outro sem a menor cerimônia ou aviso. Tínhamos nossas prioridades, mas ninguém era excluíd meninos e meninas, altos e baixos, os mais novos e os mais velhos… O que às vezes nos dividia era a política, escolhas literárias, musicais, as concepções filosóficas. Não recusávamos uma boa polêmica e, se necessário, recorríamos aos livros, aos jornais e aos mais velhos, resguardando sempre nossa autonomia, nossa independência intelectual.

Interessante era transitar pelos assuntos, dos namoros à culinária, dos relacionamentos familiares à política e aos negócios, sem perder a camaradagem e a visão crítica do mundo. Tentávamos! A sensação que tenho hoje é que o diálogo vem perdendo terreno. Muitas conversas resultam em desentendimentos irreparáveis, em agressões e manifestações de ódio. É preciso reconhecer que temos muitas oportunidades e tecnologia à disposição, mas alguma coisa não está funcionando bem… Abraços, beijos e confidências serão substituídos por conversas rápidas e figurinhas em aplicativos?

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