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Ode a Paulo Moura

Osmar Baroni
Publicado em 24/08/2022 às 19:11Atualizado em 18/12/2022 às 14:04
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Por volta dos anos 1970 até algumas dezenas depois, a agenda dos principais clubes de Uberaba era tomada por acontecimentos culturais; Jacques Klein, Magdalena Tagliaferro, Pedrinho Mattar, Madrigal Renascentista foram algumas das apresentações que lotaram os clubes de sócios e convidados.

O show do saxofonista/flautista no então salão nobre do Jockey Clube foi arrasador. Devaneando sobre aquele tempo, Paulo Moura voltou a encantar novas plateias várias vezes. Eu me senti em débito divulgatório com a sua trajetória musical. Além do clássico, a música popular, principalmente o choro, sempre fizeram parte do seu repertório. Relativamente, a sua vida foi curta, pois ele morreu três dias antes de completar 78 anos.

Caçula de dez irmãos, o marceneiro, músico e mestre de banda Pedro Gonçalves de Moura ensinou música aos seus filhos homens, preocupado com uma possível convocação militar por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Seu raciocínio baseava na lógica de que, se convocado, teria chance de ser encaminhado à Banda de Música do Exército Brasileiro, bem menos arriscado que a infantaria. Não convocado, o caçula nascido em São José do Rio Preto (SP) teve uma trajetória que lhe proporcionou uma vida aplaudida por plateias não somente brasileiras como francesas, americanas, holandesas, italianas, japonesas e israelenses, tiveram a feliz oportunidade de ouvir aquele que se tornaria o Embaixador da Música Brasileira, título honorífico aos que se entregam sacerdotalmente aos estudos da música.

Aluno de clarineta e teoria musical do professor João Batista, graduou-se pelo Conservatório de Música de Niterói, estudou harmonia com o professor Paulo Silva, absorveu a sapiência do maestro Leonardo Bernstein quando regido por ele, sem contar a tarimba que a “universidade” da vida propicia aos músicos que tocam nas gafieiras, até hoje existentes no Rio de Janeiro. “Praticamente me criei na gafieira”, gostava de dizer.

Apesar de que desde garoto ganhava alguns trocados com a música, seu primeiro trabalho com carteira assinada aconteceu em 1951, na Rádio Globo, como saxofonista da Orquestra de Oswaldo Borba. Nessa ocasião, também entrou pela primeira vez em estúdio para acompanhar Dalva de Oliveira na gravação do samba “Palhaço”, composição de Nelson Cavaquinho.

Daí em diante, aceitou desafios maiores; gravou “Moto Perpétuo” (Paganini), solou a “Primeira Rapsódia” (Debussy), acompanhado pela orquestra Municipal do Rio de Janeiro, na qual ingressou por concurso (1º lugar em 1959), afastando-se em 1978 para se dedicar à carreira solo.

Vitimado por um linfoma (patologia maligna), sua morte entristeceu uma legião de admiradores. Para os amigos e fãs restou o legado de mais de quarenta gravações, entre elas os álbuns “Mistura e Manda”, “Gafieira ETC e Tal”, “Afro-Bossa”, onde reveza o solo com outro fenômeno da música instrumental brasileira, Armandinho. Outra gravação de grande sucesso foi o disco “Pixinguinha”, proporcionando-lhe o Primeiro Grammy Latino, prêmio entregue aos melhores artistas da América do Sul.

Dois dias antes da sua morte, seus companheiros lhe fizeram uma visita musical (registrada por um canal de televisão)... Olhos lacrimejantes, pulso submerso a fármaco intravenoso e muito sofrimento. Após algumas músicas interpretadas pelos colegas, não se conteve e incluiu-se em sua última tocata.

Osmar Baroni

Cirurgião-dentista; fundador da Sociedade Brasileira de Dentistas Escritores; integrante da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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