ARTICULISTAS

Shirley Schroden, uma luz que não se apaga

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 12/01/2022 às 21:06Atualizado em 18/12/2022 às 17:46
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Já dizia Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro”. Conheci Shirley Aparecida Santana Schroden, natural da cidade de Cássia (MG), nos idos de 1980, no Instituto Musical Uberabense, que, àquela época, funcionava no 2º andar do prédio do Colégio Nossa Senhora das Dores. Naquele dia, ela procurou a secretaria da escola para matricular suas duas filhas, ainda adolescentes, Ana Maria e Cristina, no curso de piano, na classe da renomada professora Odette Carvalho de Camargos. Não demorou muito e ela também deu prosseguimento aos seus estudos de piano, sendo que tanto ela como as filhas já tinham uma boa iniciação musical, realizada em São Paulo.

Shirley era uma senhora muito simpática, tímida e de olhar acolhedor. Segundo Edgar Allan Poe: “Os olhos são a janela da alma”. Com o passar dos anos, fui conhecendo um pouco mais de sua vida e, a cada nova informação, minha admiração só aumentava por esta mulher tão cheia de predicados. Soube que ela era viúva do engenheiro do hoje extinto DNER, José Schroden, filho do sr. João Schroden Júnior, o maior fotógrafo que nossa cidade conheceu, responsável pelas melhores imagens da Uberaba do passado. Zezinho, como Shirley o chamava carinhosamente, morreu prematuramente em 1980, num acidente ocorrido em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul, deixando esposa e quatro filhos menores de idade: Cecília, Ana Maria, Maria Cristina e Marcelo.

No Instituto Musical, suas filhas concluíram brilhantemente o curso de piano e Shirley, por sua vez, passou a integrar o corpo docente como professora de iniciação musical e teclado, além de auxiliar na secretaria. Aliás, ela era uma professora muito amada pelos alunos por sua paciência e dedicação incomuns. Conseguia resultados surpreendentes com crianças e pessoas da terceira idade.

Após perder o esposo, Shirley assumiu as rédeas de sua família, administrando com responsabilidade os recursos oriundos da pensão do marido e de seu próprio trabalho. Formou todos os filhos em cursos de nível superior e nunca deixou que nada lhes faltasse. Viveu em função dos filhos e netos. Era carismática e assumiu naturalmente o papel de figura agregadora de seu núcleo familiar. Todos recorriam a ela: irmãos, filhos, genros, nora e netos. Com seus gestos comedidos, sua humildade, sua disponibilidade, ela estava sempre pronta para ouvir. Nunca a vi falar mais alto, perder a paciência ou dar as costas a quem quer que fosse. Suas ponderações eram acatadas com respeito e sem nenhuma contestação.

Shirley integrou o elenco de cantores do Coral Artístico Uberabense por cerca de 30 anos no naipe de contraltos, onde era figura indispensável para o bom desempenho do coro. Sua presença tranquilizava suas companheiras de naipe, assim como a própria regente, sobretudo em dias de apresentação. Chegava a realizar ensaios extras em seu apartamento para auxiliar suas colegas que não tinham leitura musical. Sua morte abalou profundamente o Coral Artístico, como um todo. Sua energia vital alimentava o grupo.

Trago no coração uma tristeza imensa pela perda dessa amiga tão especial, que deixou um enorme vazio em minha vida. A palavra “saudade” descende de “solitas” e “solus”, ou seja, é intimamente relacionada com o vocábulo “solidão”. E é assim que me sinto – SÓ, sem o seu apoio. A amizade é como o sol que aquece e revitaliza tudo à sua volta. Sinto falta do calor de sua presença. Joanna de Ângelis, em sua infinita sabedoria, afirmou: “Amigos são bênçãos e devem ser cultivados com carinho, respeito e consideração”.

Muitas vezes, começo a recordar os anos de convívio no Instituto Musical, direcionando meus pensamentos por caminhos que me conduzem a perdidos acontecimentos de anos atrás. Saudosas conversas nas salas do Instituto Musical, ensaios de apresentações e cânticos harmoniosos do Coral Artístico. Nessa época, trocávamos informações preciosas, traçávamos planos para colhermos resultados melhores com nossos alunos. E, sobretudo, ríamos, ríamos muito... A música era nosso bálsamo e o elo inquebrantável de nossa amizade.

Ai de nós! A vida é muito breve. Brilho, viço, vigor, tudo passa, e somos direcionados inevitavelmente para a morte. Um dia, inesperadamente, tudo termina. Estar em trânsito é a essência de todos nós. Temos que superar o luto a cada dia, mesmo sentindo o fardo insuportável da dor. Apesar de tudo, levantamos da cama e resolvemos os problemas do cotidiano, tentando abafar o refrão que insiste em repetir incansavelmente em nosso íntim “Não pode ser... não é verdade”. Aos poucos, retomamos o ritmo. A vida pulsando dentro de nós nos chama e nos impele para diante. As memórias felizes são a prova de que nada de verdade perdemos, pois continuam em nós, nas nossas melhores lembranças.

O tempo vai fazer o vivido desaparecer no esquecimento, mas a imagem da nossa querida Shirley vai perdurar em nós enquanto estivermos vivos. E olhe que somos muitos!!! Reafirmo as palavras de Alexandre Dumas: “Aqueles que amamos e perdemos já não estão onde estavam, mas estão sempre onde estamos”.

Em tempo! Shirley é palavra originária do inglês arcaico e significa “clareira ensolarada”. Era isso que você, querida amiga, representava para cada um de nós.

Olga Maria Frange de Oliveira

Regente do Coral Artístico Uberabense, autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”, ex-Diretora Geral da Fundação Cultural de Uberaba, acadêmica da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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