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A atuação de Raymundo Des Genettes no Triângulo Mineiro (Parte 1)

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 05/09/2023 às 18:50
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Quando voltamos nosso olhar ao passado, nós nos deparamos com seres humanos muito especiais que dedicaram suas vidas ao progresso de nossa cidade. Muitos deles vieram de lugares longínquos, de outro continente, o que nos dá a certeza de que eles para aqui vieram em cumprimento de uma missão. Foi Deus que guiou os seus passos. Dentre eles encontramos homens do quilate do português Antônio Borges Sampaio, do inesquecível major Antônio Cesário da Silva e Oliveira, de Hildebrando de Araújo Pontes e do francês Raymundo Henrique Des Genettes, entre outros. Sem eles, Uberaba não seria a mesma. Nós estamos pisando nos sonhos desses pioneiros, que não mediram esforços para elevar o conceito de excelência de nossa pujante Uberaba.

François Henry Trigant Des Genettes nasceu na França, em 1801, numa cidadezinha próxima de Bordeaux. Descendente de uma família da nobreza provincial, um de seus avós ostentava o título de Conde d’Arlas. Des Genettes formou-se em Medicina em Brest, região da Bretanha, e também em Ciências e Letras. Como médico, serviu no Exército Francês em Marrocos, no norte da África, no período das revoluções de 1830, e, como farmacêutico, trabalhou na Fragata “Minerva”, da qual foi, posteriormente, capitão.

François Henry chegou ao Brasil em novembro de 1835, quando foi expulso do navio francês por ter matado em duelo um colega oficial de bordo. O episódio ocorreu ainda na Regência de Feijó, exercida de 1835 a 1837. Padre Feijó tomou posse no dia 12 de outubro de 1835, enfrentando oposição até dentro do próprio partido e uma grave agitação no país. Notícias das províncias falavam de revoltas nos sertões do extremo norte: a Cabanagem, no Grão-Pará; a dos escravos Malês, na Bahia, e no extremo sul, a Farroupilha.

No Brasil, Des Genettes residiu, sucessivamente, no Rio de Janeiro, em Ouro Preto (capital da província de Minas) e em Oliveira. Nesta última cidade, apoiou e participou da denominada Revolução Liberal Mineira, de 1842, em consequência da qual esteve preso por algum tempo. Libertado, transferiu-se para Araxá e, em seguida, em 1850, para Bagagem, atual Estrela do Sul. Depois de certo tempo, dirigiu-se para Goiás em viagem de investigação científica, voltando para Bagagem, de onde se mudou para Uberaba. Naturalizado brasileiro, adotou o nome Raymundo Henrique Des Genettes. Viveu no Brasil até a sua morte, em 1889. Chegou a ver a abolição da escravatura, mas não a queda do Império e a Proclamação da República.

Este francês naturalizado brasileiro, dotado de um conhecimento científico invulgar, conseguiu fazer, solitariamente, um levantamento criterioso das bases geológicas de Minas Gerais e do Planalto Central do Brasil em pleno século XIX. Como político, foi um dos fundadores do Partido Liberal, e em Uberaba ocupou os cargos de promotor público, delegado de polícia e presidente da Câmara Municipal, culminando com o cargo de agente executivo, que corresponde ao de prefeito.

Na advocacia, que ele também exerceu, participou de julgamentos, acusando ou defendendo réus, ocasiões em que, segundo Hildebrando, o público disputava lugares para ouvi-lo, tais seus dons de oratória.

Como jornalista, foi pioneiro. Ele mesmo nos conta: “Em 1874, fundei em Uberaba a primeira imprensa do sertão, o jornal liberalíssimo ‘O Paranayba’, que depois teve seu nome mudado para ‘Echo do Sertão’”. Seu jornal promoveu campanhas, principalmente em favor do melhoramento da região, tirando-a da “invisibilidade”, como dizia, e promovendo seu progresso. Foi numa dessas campanhas que se mudou o nome primitivo de Sertão da Farinha Podre para Triângulo Mineiro, que permanece até os dias atuais. Desanimado com o abandono dos presidentes da Província de Minas em relação às necessidades dos municípios locais, Des Genettes também defendeu a independência da região – que já tinha pertencido a Goiás – e sua anexação à Província de São Paulo, por achar esta região de Minas muito despovoada. Tornou-se, assim, o primeiro a levantar a bandeira do separatismo no Triângulo Mineiro, tese que, de tempos em tempos, ressurge com força renovada na evolução histórica dessa região.

Des Genettes participou ativamente da vida da cidade de Uberaba em praticamente todos os setores. Extremamente ativo e dinâmico, impulsionou de forma intensa e decisiva a movimentação econômica, social e cultural da cidade, não só tomando iniciativas pioneiras como apoiando e incentivando empreendimentos alheios, a exemplo da colaboração que prestou a Frei Eugênio Maria de Gênova na construção do prédio da Santa Casa de Misericórdia.

Na Guarda Nacional prestou serviços como médico e compartilhou dos preparativos feitos em Uberaba durante a Guerra do Paraguai, quando aqui se reuniram as forças militares a caminho do Paraguai.

No teatro, além de autor de peças e organizador de grupo de atores amadores, integrou a Companhia Dramática Uberabense, organizada em 1862, e que se encarregou de construir um teatro, concluído em 1864, no local ocupado pelo prédio do antigo Cine Teatro São Luís.

Na educação, inicialmente Raymundo Des Genettes cooperou com Fernando Vaz de Mello, quando este, em 1854, fundou a primeira escola de instrução secundária de Uberaba, que funcionou justamente onde, 49 anos depois, iria estabelecer-se o atual Colégio Marista Diocesano, fundado em 1903. Posteriormente, com o fechamento daquele educandário “por insignificante questão política”, segundo Hildebrando Pontes, Des Genettes fez edificar na então Rua Grande ou Rua Direita, que abrangia as atuais Vigário Silva e Coronel Manoel Borges, espaçoso edifício, onde inaugurou, em 1859, estabelecimento de ensino secundário, fechado depois de um ano e pouco de funcionamento.

Em 1875, morreu sua esposa e, desolado, Raymundo Henrique Des Genettes resolveu deixar Uberaba e seguir para o Planalto Central. Vendeu seu jornal, abdicou dos cargos que tinha em Uberaba e partiu para viver uma nova etapa da sua vida, tão intensa e produtiva quanto a que deixou para trás. De qualquer maneira, este grande líder deixou marcas profundas de sua passagem por nossa Princesa do Sertão, por tantas iniciativas que impulsionaram o progresso desta cidade.

Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; autora dos livros “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e “Mulheres na Música”; ocupa a cadeira nº 15 da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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