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O processo sucessório para diretor da FMTM em 1985 (parte II)

Nilson de Camargos Roso
Publicado em 22/03/2024 às 18:43
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No  dia 23.10.1985, quarta-feira, alunos me convidaram para participar de uma assembleia sobre o processo sucessório. Juntamente com o “comitê de recepção”, entramos pela porta sul da sede da FMTM, quando vi uma faixa estendida: “trocaram a democracia na FMTM pelo reforço do PFL local”. Disse aos alunos: “se fosse o outro candidato, a frase seria parecida: “trocaram a democracia na FMTM pelo reforço do PMDB local”. Anos após, conheci a senhora Maria Helena, lobista no Congresso, que colhera mais assinaturas de apoio de políticos do PFL para o outro candidato, filiado ao PMDB,  do que assinaturas do próprio PMDB. A sala de reunião estava completamente tomada pelos alunos. A primeira a falar foi uma estudante que veio da União Nacional dos Estudantes. Discursou por 15 minutos, expressando sua indignação pela minha nomeação, “exigindo minha renúncia para que a democracia fosse restaurada”. Respondi: “o Brasil passou por um período muito difícil quando um presidente renunciou e, portanto, a palavra renúncia não existe no meu dicionário”. Na sequência, a mim foram entregues dois papéis, que guardo até hoje:

1- o primeiro, um abaixo-assinado do Centro Acadêmico Gaspar Viana, com 52 assinaturas, onde constam os dizeres da “necessidade da renúncia para restaurar a democracia”. A última aluna a assinar é Maria Alice R. de Souza;

2- em documento anexo consta “lista de presença na assembleia em 23.10.1985”, assinada por 100 alunos, e não é um abaixo-assinado. 
Um aluno me perguntou: “quanto o senhor recebeu para ser testa de ferro deste pessoal que o senhor representa?” Perguntei se ele acreditaria na minha resposta. Respondeu que não. Respondi: “se você não acredita em mim, passemos à pergunta seguinte”.

Outro aluno me perguntou: “afinal, o que tem a ABCZ a ver com o processo sucessório da FMTM?” Minha resposta: “vou lembrar alguns fatos:

1- Jesus nasceu ao lado de um representante da raça bovina, o que demonstra que o boi foi melhor companhia que nascer em palácio, onde morava Herodes;

2- antes de a ferrovia chegar a Uberaba, no final do século 19, carros de boi iam a Campinas, demorando de 4 a 6 meses para ir e voltar, trazendo apenas uma tonelada de sal branco, demonstrando que o boi é sinônimo de trabalho;

3- o boi é alimento e, se houvesse mais alimentos, haveria menos doença e menor necessidade de médicos e de faculdades de medicina.
Parábolas à parte, coloquemos oxigênio nos pulmões e desçamos ao fundo do poço: as votações dos professores e dos não docentes foram feitas em dias pré-agendados, com dia e hora marcados, com a presença de fiscais. Perdi por poucos votos entre os professores e ganhei com boa vantagem entre os não docentes. Mas a votação dos alunos, onde perdi, foi feita com o outro candidato acompanhando a urna e passando de sala em sala, onde sextanistas e médicos residentes não votaram. Vocês acham que foram democratas?”.

Um aluno argumentou: “façamos então nova votação”. Respondi: “se eu não fosse nomeado, eu poderia vir aqui e vocês concordariam com nova votação?”. Nada responderam. Um fotógrafo chegou. Perguntei ao comando de greve se eu poderia sorrir, segurando a caneta pela ponta, demonstrando que não tremia, o que quebrou um pouco o ambiente hostil.

Por último, os alunos me perguntaram o que eles poderiam fazer. Respondi que deveriam agir dentro dos princípios da ética e da legalidade, que fizessem manifestação pública e que fossem até ao Ministro da Educação. Um deles me perguntou se eu emprestaria o mimeógrafo novo do Hospital Escola (HE) para produzir panfletos. Respondi que sim. Ao término da reunião, um dos alunos se manifestou: “eu não o conhecia, mas os cartazes fixados na FMTM ofensivos ao senhor eu me encarrego de recolhê-los”. Respondi que se ele agisse assim eu lhe estaria devendo um favor.  
Às 15 horas, Camilo, diretor administrativo do HE, telefonou-me perguntando se era verdade que eu emprestara o mimeógrafo para os alunos fazerem panfletos contra mim.

Respondi que sim. Camilo então disse: “o senhor está louco?” Respondi que não. Guardo estes panfletos até hoje.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

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