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Contrabando legislativo dos direitos trabalhistas

José Elias de Rezende Júnior
Publicado em 19/08/2021 às 20:23Atualizado em 18/12/2022 às 15:48
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As medidas provisórias são instrumentos legislativos previstos na Constituição Federal, que podem ser adotadas pelo Presidente da República em situações de relevância e urgência, cuja eficácia será de no máximo 120 dias, salvo se convertidas em lei pelo Congresso Nacional e, a despeito do abuso na utilização destes instrumentos ao longo da história recente do país, deve-se reconhecer a sua importância, especialmente em momentos atípicos como o atual.

Neste contexto, foi publicada, no dia 28/04/2021, a Medida Provisória nº 1.045, a qual prevê, em seu texto original, entre outras medidas para o enfrentamento das consequências da pandemia no âmbito das relações trabalhistas, a suspensão dos contratos de trabalho ou redução proporcional da jornada e do salário, com possibilidade de pagamento de benefício aos trabalhadores pelo Governo.

Na exposição de motivos do diploma, o Presidente da República asseverou a necessidade de reedição do programa já adotado no ano de 2020, devido ao seu reconhecido sucesso na preservação de milhões de empregos e diante do fato de que ainda não houve a retomada, em ritmo desejável, da atividade econômica no país.

Submetida ao exame do Congresso Nacional para a sua conversão em lei, a MP, após 407 emendas, sem qualquer debate em comissões especiais ou com a sociedade, teve o seu texto base aprovado pela Câmara dos Deputados em 10/08/2021 e aguarda análise do Senado Federal.

Ocorre que, no texto aprovado, foram incluídas medidas referentes aos direitos trabalhistas que não guardam qualquer relação com o texto original, como, por exemplo, “programas de primeiro emprego e de requalificação profissional, mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e definição de quem pode contar com gratuidade no acesso à Justiça” (Fonte: Agência Câmara de Notícias).

Ainda que os alegados motivos para a inclusão destas medidas no texto base na MP sejam louváveis – qualificação, abertura de novos postos de trabalho e manutenção de empregos – em razão da redução dos encargos trabalhistas das contratações, é necessário observar que, em alguns casos, os trabalhadores e seus familiares ficarão sem qualquer proteção previdenciária contra possíveis infortúnios – incapacidade temporária ou permanente, morte, entre outros –, além da redução ou eliminação de diversos direitos trabalhistas, a depender da modalidade da contratação.

Quanto às alterações nos critérios para a concessão do benefício da Justiça gratuita, trata-se de verdadeiro e absurdo obstáculo ao pleno acesso ao Judiciário pelos mais vulneráveis, além de claro desestímulo à propositura de ações trabalhistas e de demandas contra o Governo.

O STF, órgão máximo do Poder Judiciário e guardião da Constituição, goste-se dele ou não, possui entendimento firme de que esta prática configura contrabando legislativo, em razão da inserção “mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário”, sob o fundamento de violação aos princípios democrático e do devido processo legislativo.

De modo que, a aprovação do texto base da Câmara, pelo Senado, poderá ter como consequência a criação de uma situação de insegurança jurídica para trabalhadores e empresas, além de materializar uma premissa ética temerária, no sentido de que o Legislativo, que deveria ser a casa do povo, está disposto a sacrificar prioritariamente os mais vulneráveis para a reversão do grave quadro econômico da nação, o que, infelizmente, não seria a primeira e tampouco a última ocorrência desta natureza na claudicante democracia brasileira.

JOSÉ ELIAS DE REZENDE JÚNIOR - Advogado e professor universitário - jose.elias@rezenderezendeadvogados.adv.br

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