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Delírio social - A dupla cegueira

É uma imagem tão forte que ainda me acompanha apesar do tempo: são quadros

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 01/08/2018 às 20:09Atualizado em 17/12/2022 às 12:01
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É uma imagem tão forte que ainda me acompanha apesar do temp são quadros com dizeres que representam máximas assentadas em valores morais e sociais, tais com É dando que se recebe; Quem dá aos pobres empresta a Deus; Que Deus lhe dê em dobro tudo que me desejares; O fim não justifica os meios, e muitos outros que adornavam as casas, geralmente na entrada. Como jovem acreditava que aquelas representavam as virtudes das famílias, aos poucos, no entanto, aquelas letras caíram e outras tomaram seus lugares, deixando aparecer as verdadeiras mensagens: Dou para receber; Empréstimos acrescidos de juros a serem pagos por Deus; Deus lhe dê em dobro o mau que me desejas; O fim justifica os meios. Assim as primeiras apresentavam-se belas, mas falsas, e as segundas, feias, mas verdadeiras. O delírio social começava a ser desfeito, dando lugar ao chão firme da realidade cuja maior beleza é permitir a firmeza necessária para a sustentação de construções arrojadas e seguras. 

Há pouco assisti a uma série sobre o famoso jogador de futebol americano Orenthal James “O.J.” Simpson, frente ao assassinato de sua segunda esposa, de quem estava divorciado, e de um jovem garçom, no portão de entrada da casa onde ela residia juntamente com seus dois filhos. Um assassinato duplo, feito a facadas e tão violento que ela quase teve a cabeça separada do corpo. A série focaliza o processo de julgamento com um júri popular, que durou quase um ano. Todas as evidências apontavam o ex-marido como culpado pela série de provas e testemunhos obtidos, o que representou sério desafio ao grupo de advogados de defesa, até que, relembrando fatos ocorridos naquela cidade – Los Angeles – ligados ao forte racismo predominante na região, bem como à presença de um policial tendenciosamente racista entre os que testemunhavam contra O.J. Simpson, o grupo de advogados seguiu esta linha de defesa para um júri composto de nove negros e dois brancos devidamente selecionados pela defesa.

Nem é preciso lembrar a sentença: nove votos para inocente e dois para culpado, finalizando um julgamento que conseguiu atrair a atenção dos norte-americanos brancos e negros como um todo e recebendo ao encerrar uma inserção do então Presidente Bill Clinton, que concluiu sobre a necessidade de um maior diálogo social de todos.

Tal como as crianças que adoram seus pais e os veem como Reis/Rainhas, plenos de poderes e só bondades, nossa sociedade precisa quebrar o delírio social baseado na cegueira edipiana, vendo claramente seus líderes em sua totalidade de bons e maus ao mesmo tempo, bem como falaciosos e tendenciosos os juízes que julgam e os advogados que defendem. 

(*) Psicóloga e psicanalista

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