Despretensioso na concepção, simples e direto na execução, assim é o romance Fruta de Leite (2013), de José Humberto Henriques (1958-), médico residente em Uberaba, já com mais de quatrocentas obras publicadas na Amazon.
Se é – e é – despretensioso, simples e direto não o é menos virtuoso. Se exercita o viver de suas personagens – com ênfase absoluta e centralidade ficcional do protagonista, o comandante do fio narrativo, o selecionador de fatos e circunstâncias, o ponderador e árbitro dos acontecimentos – não descura nem se ausenta do eixo constituidor e direcional da natureza humana em geral e de sua interligação e relacionamento cotidiano, nem do propósito humano e da percepção e ponderação equilibrada dos fatos da vida.
O que se tem, pois, na esteira da construção da arquitetura ficcional e no decorrer da extensão vivencial do protagonista-narrador, é o fluir constante e ininterrupto da vida, em seus fortes e contrafortes mais significativos.
Se nenhuma personagem (Jesualdo e Dodói, por exemplo), exercita autonomamente seu viver - narrado, analisado e julgado que é apenas pelo protagonista, por meio de quem existem e agem - não são menores, no entanto, as substâncias de seu existir e o peso e o significado de suas presenças e atuações.
Se não comandam a ação ficcional, direcionando-a, não deixam de impor diretivas aos fatos, conforme seus entendimentos e interesses.
Não obstante a narrativa seja processada e balizada pelo protagonista, as demais personagens, vivendo e agindo, manifestam acentuadas inteireza e autenticidade humanas e existenciais.
Não há, neste romance, nenhum apelo a fatos espetaculares, que costumam ensombrar e desvirtuar as narrativas que visam entretenimento.
Nele, é o fluxo da vida que escoa e dedilha miúdos acontecimentos, com suas levezas, percalços, contrariedades e satisfações, normatizadas pelas restrições, condicionantes e possibilidades da natureza humana em situação.
Nada, pois, de extraordinário, de apelativo, de distorcido. Nesse rio existencial não há corredeiras, cachoeiras e torvelinhos, mas, tão somente a essência da concretude da vida, limitada pelos contrafortes da natureza humana e sua realidade espaço-temporal.
O intuito do autor e o foco do romance nucleiam-se no ser humano, suas peculiaridades, modo de existir e de agir.
Existência e ação formam e formatam o binômio ficcional. Autêntica, legítima e real uma. Natural e possível a outra.
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Ressaltam-se nesse fazer e nesse expor, para além da fluente e escorreita linguagem narrativa, colocações, percepções e formulações mentais e expositivas de grande originalidade perceptiva e formulativa.
Assim, por exemplo:
- "O dia tinha um dado quebrado nas entrelinhas” (capítulo 1).
- “Cachorro e cadela são, supostamente, entidades muito desconsoladas para serem aceitas como proposta de apelido" (cap. 103).
- "Um berro sem as bordas vai além dos recortados das palavras" (cap. 124).
- “Não é um nome que vai construir as abnegações do restante do mundo onde se vive” (cap. 126).
- “O nosso primeiro encontro já fizera suas âncoras" (cap. 146).
- "Estava ficando perigoso me estabelecer ali como criatura que não sabe direito o que fazer com as dúvidas" (cap. 149).
-"Aquilo não fazia parte da minha maneira de exercer a existência" (cap. 152).
- "Dormir até que o tempo desse ângulo para que a noite caísse" (cap. 164).
-"Então, eu parti atrás dela, mais tonto que mosquito que tomou tapa" (cap. 186).
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Guido Bilharinho
Advogado em Uberaba e editor das revistas culturais eletrônicas Primax (Arte e Cultura), Nexos (Estudos Regionais) e Silfo (Autores Uberabenses)