Há um momento — breve, quase imperceptível — em que afastamos os olhos de algo e demoramos a voltar para o lugar em que estamos. Não é distração. É outra coisa. Uma espécie de descompasso entre o corpo e o que ele acaba de tocar sem tocar.
Louise Glück escreve: “Há um momento depois que você afasta o olho / em que você esquece onde está”. E é exatamente isso. Acontece quando olhamos por muito tempo para o mar, para o fogo, para o rosto de alguém em silêncio, para o céu da varanda às três da manhã. Quando lemos um verso e, por um instante, tudo ao redor se torna volume baixo.
Não é fuga. É presença em outro grau. Como se houvesse em nós uma parte que só se ativa na suspensão — quando o mundo visível já não basta e algo se abre. Glück chama isso de “o silêncio do céu noturno”. Eu chamaria de o intervalo. O pequeno entrelugar onde o tempo suspende sua utilidade, e nada precisa acontecer.
Vivemos pressionados a manter os olhos fixos. A ver, entender, controlar, prever. Mas há potência em desviar o olhar. Em esquecer por alguns segundos onde estamos. O problema é que quase nunca nos autorizamos a isso. Somos vigiados, inclusive por nós mesmos. E a contemplação virou perda de tempo.
Mas o que acontece no intervalo? Talvez o que escapa. O que não cabe em planilha nem em postagem. O que só se revela quando paramos de procurar. Há uma verdade sem nome que só emerge quando a vigilância cede.
Por isso, às vezes, é preciso mirar algo que está a anos-luz de nós. Não para decifrá-lo, mas para lembrar que há distâncias que não devem ser vencidas — apenas respeitadas. E que existe, sim, um outro lugar. Não no céu, mas dentro.
E, quando voltamos, já não somos exatamente os mesmos. Há em nós um vestígio do silêncio, uma poeira cósmica nas bordas da consciência. Um resíduo leve de ter estado fora, sem ter saído.
Esse momento, quase sempre ignorado, talvez seja o que nos salva da pressa de viver tudo sem ver nada.