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“Crescer para menor”

Frederico Oliveira
Publicado em 17/06/2025 às 18:00
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Foi a psicanalista Luiza Moura quem disse, num daqueles retornos de leitura que geram acontecimentos na terra das palavras: “crescer para menor”, citando Winnicott. Desde então, a frase me perturba como quem pousa leve, mas não vai embora. Crescer para menor. E tudo em mim resiste: não fomos educados para isso. Tudo à nossa volta grita o contrário: expanda, conquiste, ultrapasse. O gesto da infância, no entanto, sabe o que a frase quer dizer: crescer talvez seja desaprender a grandiosidade, recolher-se à delicadeza, à possibilidade de não saber.

Desde que ouvi essa expressão, o olhar tem buscado afinação. Como se o mundo tivesse ficado excessivamente barulhento e só se pudesse viver no miúdo, no quase imperceptível. Um riso breve de quem escutou com atenção. A dobra da roupa esquecida no encosto da cadeira. O movimento preguiçoso da luz no chão da sala. A poesia, essa que só acontece quando a gente não está tentando dizê-la.

É um olhar que se deita no pequeno. Não para fazer dele uma grandeza escondida, mas para aceitá-lo como ele é: insuficiente, frágil, desimportante. Justamente por isso, fundamental. Como os gestos que não servem para nada além do instante que habitam. Como o toque que não pretende convencer. Como a escuta que não quer consertar.

Há algo de sublime na inutilidade das coisas que apenas vivem. Ou mesmo daquelas que só existem, sem pedir sentido, sem oferecer espetáculo. Crescer, talvez, seja isso: consentir com a precariedade da própria presença, com a insuficiência do controle, com o afeto que se dá por inteiro e mesmo assim falha.

“Crescer para menor”, desde que me disseram, é uma frase que me acompanha como quem sussurra. E hoje aceito o chamado: há grandeza na contração, há futuro na recusa de performar, há beleza naquilo que se mantém inapto ao capital do visível.

A infância, que antes queríamos deixar para trás, talvez seja o único lugar onde ainda seja possível recomeçar. Não como nostalgia, mas como uma forma de existir que não exige utilidade, não demanda prestígio, não cobra pressa.

Porque, no fim, o que salva, se é que algo salva, é sempre aquilo que, de tão pequeno, cabe inteiro na palma da mão.

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