ARTICULISTAS

Vinte reais - Baseado em vida ou morte

Charles Thon
Publicado em 28/06/2025 às 11:36
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Nunca esqueço. Ele chegou para mim desesperado, pedindo emprestado vinte reais. Não mentiu. Era para pagar a boca de fumo que devia.

Ele era um faz tudo das cercanias. Podia pedir tudo que ele desenrolava. Pintura, carpina. A esquerda em caracol, que hoje subo ao primeiro andar de minha casa, foi montada por nós dois. Como não profissionais de mão cheia, o último batente ficou distante da parede, tive que pôr uma plataforma de metal, e na subida a cabeça batia no beiral da laje; foi quando vi de cima da laje um pedreiro no telhado de outra casa; chamei-o para cortar parte da laje. “O senhor vai fazer o quê nessa laje? “Pretendo fazer uma casa”. “Eu construo”, e Zé Pedreiro construiu mesmo. Como se vê, uma coisa puxou a outra.

Mas, voltando ao faz tudo, dois dias depois de eu não ter emprestado os vinte reais, recebi a ligação da minha irmã: “Charles, acabaram de matar… aqui em frente de casa”. O preço alto de dever ao tráfico chegou.

Nesta manhã de sábado, deu-me na veneta de descer a escada e ir até o jardim, dei uma olhada e subi. Já em cima ouço: “Cara, cara, aqui”. Procurei quem me chamava, achei que fosse impressão. Mas… “Cara, cara”. Foi quando olhei por cima das plantas e vi um rapaz desesperado. “Senhor –quando viu minha idade – me ajude, acabei de ser assaltado. Levaram minha moto, celular e carteira. Me arrume dez reais, por favor.” Falei que não tinha, realmente com esse negócio de Pix. Minha irmã, do térreo, ouviu, abriu o portão e ele já estava indo. Mandei chamá-lo. Deixa ver se tenho algum trocado. Abri a carteira e tinha lá, adivinhem quanto? Uma cédula de vinte reais exatos.

Minha memória entrou na hora em ação, lembrei-me do meu amigo artífice, o qual eu deixava a chave da minha casa e ia trabalhar despreocupado. Seus avós, personas gratas, moravam a poucas casas da minha.

Mas, naquele dia, não tive como ajudá-lo. Fiquei, após a sua morte, remoendo se caso lhe tivesse conseguido os vinte reais. Mas, na verdade, se não fosse daquela vez, noutra o tráfico lhe cobraria novamente, até que chegaria o dia dos pipocos.

Só que dessa vez eu tinha e tratei de dar sem uma das mãos ver. Escolhi estar com a minha consciência tranquila. Sei que não obedeci ao impulso de sair da sala e descer as escadas até o jardim em vão. Alguém estaria sedento.

Se realmente foi roubado, Deus há de lhe restituir tudo. Se é para outras finalidades, que Deus também lhe conceda outra oportunidade. Porque, enquanto houver vida, sempre haverá esperança. Uma coisa puxa a outra… Que a sede seja pela Água da Vida.

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