ARTICULISTAS

Como ganhar um milhão

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 31/03/2021 às 19:09Atualizado em 19/12/2022 às 04:13
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Já fui milionária. Lembro-me bem, foi no final de 1985, e minha conta bancária tinha dois milhões! O que fiz para ganhar essa “fortuna”? Trabalhei o ano todo dando aulas particulares a filhos de amigos, de Matemática, piano e ballet. Era meu último ano antes da faculdade e queria juntar algum, como todo jovem, ansiando por independência e ensaiando a vida adulta. Mas minhas aulas eram tão espetaculares que valessem milhões?

Pessoalmente, até defendo que sim, porém, duvido que alguém concordasse em me pagar milhares, ou milhões, por elas. A menos, é claro, que o dinheiro não valesse grande coisa. Eu tinha dois milhões de quê? Nem me lembro, tantas vezes a moeda mudou.

Nas décadas de oitenta e noventa, vivemos a inflação, chegando mesmo à hiperinflação. Não é que não tentássemos resolver o problema.

Planos e pacotes não faltaram, desde radicais, com congelamento de preços, até sutis, com medidas mais escalonadas. Nas primeiras vezes, entramos com fé e esperança. Depois, com os insucessos, esses sentimentos foram sendo cada vez mais diluídos na descrença e algum cinismo.

Vivíamos todos em estado de semi-histeria, sem saber o valor, nem o preço, de nada. Um liquidificador poderia custar dez, ou cem, ou mil, e não nos chocaríamos. Levantávamos de manhã e íamos à padaria descobrir o preço do pão. À tarde, o preço poderia ser outro.

Nós, brasileiros, já somos uma pátria de técnicos de futebol e, naqueles tempos, éramos também banqueiros, todos aplicando dinheiro em fundos bancários (o famoso “over night”) e monitorando o saldo diariamente.

É possível que ainda haja quem concentre as compras no primeiro dia do mês e nem se lembre por que faz isso. Quando recebíamos o salário, era urgente ir ao supermercado e comprar o máximo possível, porque o dinheiro na conta, mesmo aplicado, dali a uma semana não seria suficiente pra comprar tudo. Para o resto do mês, só deixávamos a carne (não tínhamos freezers) e o pão. Cada dia era uma surpresa. Grandes compras, como carros e imóveis, eram uma aventura.

Vencemos a inflação, com muito esforço e uma operação em escala nacional que deveria ter recebido um Nobel. Mas não nos esquecemos de como aquele descontrole percolava as nossas vidas, inviabilizava desde casamentos até negócios inteiros.

Quando alguém advogar por “um pouco de inflação”, lembremo-nos do país de pobres milionários que deixamos pra trás e sejamos prudentes.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova - Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica - AnaMariaLSVilanova@gmail.com

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