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Acidente em 1971

Ana Maria Leal Salvador Vilanova
Publicado em 11/04/2022 às 21:01Atualizado em 18/12/2022 às 19:06
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Um funcionário da construção civil morreu atropelado ao voltar do trabalho para casa, num acidente in tinere. O evento ocorreu ao final da tarde, num sábado, quando um veículo na contramão o atingiu em cheio. Deixou mulher e filhos.

Investigação preliminar colheu os fatos básicos daquele dia, listando o cronograma das atividades do infeliz empregado. A manhã foi normal, despedindo-se da família e rumando ao trabalho.

Na obra em questão, ele estava designado à alvenaria e esteve o dia todo levantando paredes, tijolo por tijolo. Almoçou na própria obra, uma refeição frugal, feijão com arroz.

Mais tarde, quando se buscou aprofundar as muitas questões e dúvidas sobre o que aconteceu naquele dia, descobriu-se que algo mais havia por ali. Seu comportamento, algo alterado, inicialmente mencionado, afinal, havia chamado a atenção dos companheiros, que relataram tropeços, gargalhadas e um ar meio perdido, não se sabe se por pressão do trabalho, da vida ou do quê.

Também em casa, a família vinha lidando com algo que não sabia explicar bem, mas sentia. Marido/pai algo robótico, cumprindo suas obrigações casa/trabalho, porém algo se passava.

E quem dirigia o veículo? Por que estava na contramão? Houve muitas testemunhas, que tiveram sua tarde de sábado arruinada pelo evento. Mas não sabemos o que comentaram, porque a música não diz.

Este acidente fictício é descrito na música “Construção” (álbum Construção, 1971, Chico Buarque). A brilhante peça conta a mesma história em versões cada vez mais refinadas, desde um relato mais geral, até captar nuances sobre o estado de espírito do acidentado e possíveis fatores contribuintes que não estavam muito claros à primeira vista. Qual seria seu teor alcoólico?

Estava distraído, com problemas no casamento? Passava por uma crise existencial? Porque não olhou para os dois lados antes de atravessar a rua? Ou será que olhou?

No mês da segurança, nós nos lembramos da importância e da dificuldade de se investigarem acidentes, além das primeiras impressões. Infelizmente, com certa frequência, investigações ficam-se por um “acidentes acontecem” ou, “vamos dar um treinamento para este trabalhador”, e considera-se resolvido. Aprendamos com o poeta a ir até as causas raízes, e não nos contentarmos com a primeira versão.

Ana Maria Leal Salvador Vilanova

Engenheira civil, cinéfila, ailurófila e adepta da caminhada nórdica AnaMariaLSVilanova@gmail.com

 

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